quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Gosto do passado

       Foi como um relâmpago. Seguido de um vento impetuoso e uivante, nuvens negras se instalaram por sobre a ilha. De um dia claro, quente e ensolarado, meus olhos contemplaram, pasmos, o escurecer do céu. O dia desfrutava de sua 16ª hora quando o céu se manisfestou, junto com toda a fúria do vento, se revoltou também o mar, em minutos, o dia estava escuro como a noite, e o  mar, dantes calmo e navegável, se encontrava revolto e perigoso.


       Como se a ilha tivesse sido tomada para outra dimensão, podia ver o horizonte e a costa calmos, com o céu azul, sem nuvens, e claros pela presença do sol forte, enquanto aqui, a natureza se rebelava.
       As árvores declinavam, e até as mais antigas com seus troncos imensos, se inclinavam diante do vento. Fim de primavera, as flores que enfeitavam as árvores e os arbustos foram lançadas fora, tornando o caminho entapetado e colorido, não fosse a escuridão que pairava, seria de agrado aos olhos. Era demasiadamente estranha a atmosfera, podia-se ver ao longe, nos 360º da ilha, que além dali tudo estava calmo e normal, enquanto aqui, experimentávamos algo que parecia ser sobrenatural.
       O vento cada vez mais forte, ia levanto tudo que via pela frente, e em instantes, o tapete de flores já não mais existia, em seu lugar estavam telhas, galhos, folhas secas, e alguns pertences que foram carregados pela força do vento. As ondas do mar estavam altas, e quebravam com  uma violência estarrecedora nas pedras do cais. Não contei minuto inteiro, antes que a água das nuvens negras varresse toda a ilha. Descera com uma força inacreditável, lavando tudo que via pelo caminho, e destruindo tudo que não provinha de estrutura fortalecida.


       Em meio à toda agitação da natureza, fui transportada por uma lembrança, e pude sentir o gosto do passado. Por um segundo, que pareceu horas, pude reviver um momento de infância, tinha o mesmo cheiro de tempestade, o barulho da água violenta banhando a terra, a escuridão que se instalava em plena tarde ensolarada, e a calmaria que pairava após o vendaval. Nesse instante, o coração apertou no peito, dolorido pela saudade, pois na lembrança tudo estava sendo revivido, exceto a presença dos amados que ao meu lado estavam na outra ocasião. Faltava o irmãozinho, a segurar minhas mãos e dizer que tudo ficaria bem, faltava a mamãe, que cuidava da casa de modo a amenizar o barulho, e cuidar que nenhuma janela estivesse minimamente aberta, de modo a deixar entrar o vento gelado, e faltava o papai, que vinha molhado da garagem, recém chegado do trabalho, com um sorriso nos lábios e chocolates nas mãos, à fazer a situação assustadora se tornar engraçada.
       Por um breve instante, presenciei o que poderia ser o fim do mundo, e me transportei para casa, mas, foi realmente por um breve instante.
       Alguns poucos minutos depois, o céu estava branco, as ondas do mar pareciam obedecer à alguma ordem, aquietando-se ligeiramente, as águas que inundaram, naqueles poucos segundos, os caminhos da ilha, retrocediam rapidamente, e as nuvens negras, que agora jaziam brancas, começavam a se despedir dali, dando lugar aos raios do sol que estava sobre elas, e já se podia contemplar o azul do céu novamente.
       Como se nada houvesse acontecido, os pássaros voltaram a cantar, as pessoas iam saindo aos poucos, a arrumar as coisas, e limpar toda bagunça deixada pelo vento. Momento no qual eu me virei, e pus-me a fazer as coisas de que precisava, feliz, por saber que a saudade manisfestada, estava prestes a acabar.

Susan Oliveira

quarta-feira, 31 de outubro de 2012


As curvas

       Tal como o bater das asas de uma borboleta, era o silêncio que pairava em seu coração... Sepulcral, inquebrável, a não ser pelo som de uma ou outra lágrima que corria pela face estarrecida, e ao chegar ao chão, parecia liberar as palavras que a boca não conseguia dizer.
       Estava muito quente, o verão se aproximara e com ele a temperatura típica daquele lugar beira mar... Após brigar incessantemente contra os músculos, que insistiam em permanecer estirados sobre a cama, e contra os olhos que suplicavam pelo abaixamento das pálpebras, levantou, abriu as torneiras da banheira e começou a organizar o que precisaria mais tarde, entre algumas lágrimas que rolavam sem permissão, e alguns sorrisos, formados forçadamente com a intenção de amenizar a circunstância...
       Seguindo todas as tarefas realizadas, abriu a janela, não estava ventando, não havia uma brisa que amenizasse o calor, mas não importava, a alma estava falando tão alto que não sobrara percepção para o meio exterior... Abaixou a persiana, destrancou a porta, e deixou o aposento.
       Enquanto descia as escadas e atravessava o comprido corredor de mármore, em direção à saída, os pensamentos e lembranças invadiam a mente, deixando inquieto o coração... Seguiu, como se ignorasse o interior em crise, precisava jantar, não havia tempo para dar trela ao coração.
       Era sexta feira, havia festas e reuniões por toda parte, as pessoas se interagiam e confraternizavam, aquelas que não tinham o que comemorar, celebravam apenas a vida, cada um do seu jeito, mas havia um par de pés, que caminhava por entre todo o burburinho sem se influenciar, tinha o pensamento distante e o olhar perdido.
       Foi, fez o que tinha de fazer, e voltou, em um curto período de tempo, mas tempo suficiente para que o sol se despedisse, e lua com seus luminares inseparáveis saudassem o início de uma noite límpida... Retornou pelo mesmo caminho, passou pelo mesmo corredor, e subiu os mesmos degraus. Lá em cima já estava bastante escuro, mas não acendeu as luzes, característica típica desse estado interior, como se manter as luzes apagadas fizesse com que as coisas ficassem menos nítidas, já que a realidade era pouco suportável, e naquele momento, trazia desconforto demasiado ao coração.
       Entrou, andou em direção à sacada, de onde podia avistar uma das 7 maravilhas do mundo, e parou. Seus olhos não se voltaram à paisagem cobiçada que se encontrava mais adiante, mas sim, ao conjunto de troncos e galhos de uma árvore sem folhas que estava mais a direita. As curvas formadas pelas estruturas grandes e desformes daquele árvore, prenderam sua atenção por alguns instantes. Pode perceber que cada curva que o tronco dava, era consequência de um desvio que ele precisara fazer, se adaptando ao espaço livre que lhe fora oferecido para se desenvolver.


       Naquele momento, como se cada uma das curvas tivessem a capacidade de se comunicar, pode entender claramente, que tal como os galhos e tronco da árvore, precisava também fazer curvas, realizar desvios, fossem eles pequenos ou grandes, pois eram fundamentais para a sobrevivência, e o desenvolvimento naquele meio, naquela circunstância.
       As curvas eram uma lição de adaptação. Antes de estarem ali imóveis e imodificáveis, passaram por várias etapas, e necessitaram de tempo e persistência, para deixarem de ser uma semente, um pequeno arvoredo, para serem agora uma estrutura enorme e exuberante, forte e robusta. Entendeu, que tal como a árvore, e tudo na vida, havia mudança, adaptação, persistência, antes de haver estabilidade, e cumprimento de metas.
       Imaginou, naquele momento, viver dali em diante se lembrando das curvas que os enormes troncos faziam, tornando-as um exemplo de que é possível crescer, se fortalecer, e conquistar estrutura tal que suporte as maiores tempestades, os dias mais quentes, bem como os mais frios, permanecendo de pé, forte, e resistente. Com um sorriso, afastou-se da sacada, ascendeu as luzes, abriu a porta, e entrou... Era hora da vida seguir.



Susan Oliveira

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Quando abri os olhos

       Os dias passavam, as horas, os segundos, e em todo o mundo a vida seguia seu curso. Em meio as rotinas que se prendiam a mim de forma cruel, me entretendo e obrigando-me a estar com ela, notei espectros de saudade, que vinham envoltos em uma terrível não aceitação. Algo dentro de mim, escondido, sufocado pela razão e pelo alvo maior, começara a se mostrar.
       Até aquele presente momento, carregava comigo a certeza de que minha vida era lá, e que tudo que eu precisava permanecia lá, intacto, eu tinha um refúgio, um lugar para onde correr quando as coisas deixavam de ser aturáveis... O que eu não tinha levado em conta, é que as as mesmas forças que atuavam sobre mim aqui, também atuavam ali, e da mesma forma que ventos alteravam cenários aqui, também alteravam ali... Ao me dar conta disso, pude concluir com clareza que a vida segue, independente do que aconteça, e assim, mesmo querendo que não, os grupos mudam, as histórias se modificam, e chega o momento em que as raras e breves visitas já não são mais suficientes, porque eu simplesmente já não caibo mais ali. Não porque as pessoas deixaram de me amar, ou os amigos se afastaram, mas porque eu não mais acompanho as mudanças.


       Foi quando abri os olhos, e entendi que meu coração precisava ficar onde eu estava, e que era humanamente insuportável mantê-lo ali. Então fechei os olhos mais uma vez, para tentar aceitar o fato de que a vida mudara, e eu precisava seguir. Fechei os olhos, porque não cabia dentro mim este fato, ainda não havia em mim estrutura para aceitar que eu estava deslocada no mundo, pois já não me encaixava ali, nem tão pouco estava inserida aqui. Fora fácil, embora tenha demorado, entender que eu precisava recomeçar do zero, difícil era fazê-lo...


Susan Olveira

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O dia em que o sol não nasceu


       Era sábado. O dia amanhecera como todos os outros, e a atividade no pequeno povoado era a mesma... Seguira sua rotina, era dia de cuidar de tudo que ficara deixado de lado durante a semana, e como sempre, após declinar-se em agradecimento à Deus por mais um dia, levantou a persiana, e escancarou a janela, o ar gelado que entrara lhe chamou a atenção, fazendo-a voltar os olhos aos montes distantes, que faziam-se pintura por entre as molduras que formavam a janela, eles estavam cobertos por uma névoa densa, o que era muito raro...


       Ainda de frente à janela, do 3º andar, podia ver à esquerda o cais, onde ondas calmas se quebravam delicadamente junto às pedras costeiras, haviam poucos barcos ancorados, e podia notar, entre a névoa que pairava sobre o mar, um navio de pequeno porte, quase dobrando a linha do horizonte... Inclinando o olhar à direita, podia observar a praça, única no povoado, onde algumas crianças brincavam timidamente por entre os arbustos molhados pelo orvalho, era um dia incomum, um dia nebuloso, frio e escuro, quebrando as regras do clima quente e ensolarado daquele lugar...
       As ruas, todas de pedras sobrepostas e irregulares, estavam bastante molhadas, chovera durante toda a noite... As árvores, bastante densas, ainda derrubavam grandes gotas de água ao serem movidos pelo vento, ou terem suas folhas colididas por pássaros a brincar por entre os galhos... O dia sorria! Embora escurecido e úmido, estava calmo e belo.
       Oportuno seria, se o narrar da história não envolvesse os sentimentos internos, mas é impossível contar uma perspectiva, sem expor o que há dentro do coração. Os olhos sempre veem a mesma coisa, mas o que cada olhar enxerga, depende do mundo que há por trás dele, bem ali na alma de quem com eles observa...


       A saudade já era grande, embora os dias de separação não somassem um número muito elevado. Os pensamentos estavam soltos, não faziam muito sentido... Era um misto de foco nos afazeres domésticos, uma parcela nas matérias a serem estudadas, e uma porção considerável, que permanecia rebelde, ligada no que ficou.
       O frio contido naquela manhã, trazia lembranças doces, do lugar tão amado, mas essas lembranças, quando unidas aos fatos, tornavam-se desagradáveis... Já não era mais possível dizer o que se passava dentro da mente. Parte dela, negava desesperadamente que algo estava ruim, e como numa tentativa de amenizar o insuportável, arrastava bruscamente o foco ao racional, ao real, ao que havia ali agora, tentando ocultar o que houvera um dia. Se opondo a esta parte, havia o outro lado dela, que lutava por uma válvula de escape, que não fosse o esquecimento, brigava por um pouco de sentimentalismo, por um pouco do que faltava naquele lugar...

       Ela sabia por a razão na frente dos demais lados, mas ali, tanta racionalidade já começava a torturar. Brilhante a mente que citou um dia, as seguintes palavras:

Há certas horas, quando sentimos que estamos pra chorar,
que desejamos uma presença amiga, a nos ouvir paciente,
a brincar com a gente, a nos fazer sorrir...
Alguém que ria de nossas piadas sem graça...

Que ache nossas tristezas as maiores do mundo...

Que nos teça elogios sem fim...
Que nos mande calar a boca ou nos evite um gesto impensado...
Alguém que nos possa dizer:
Acho que você está errado, mas estou do seu lado...
Ou alguém que apenas diga:
Estou Aqui!



       De fato, ali, era mesmo o que faltava... Naquele momento, tal como o dia, dentro dela, o sol não nascera... Tudo estava nublado, úmido, e frio...


Susan Oliveira

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Notícia


       Respiração ofegante, lágrimas e risos, sentimentos variantes, inconstantes... Foi assim ao receber a notícia. Em um dado momento tudo pareceu perder o sentido, foi como deixar cair de seus braços toda a conquista recém adquirida.
       Primeiro os olhos correram pelo quarto, e ao detectar que não havia ninguém ali, o corpo automaticamente se pôs a buscar uma presença em outro lugar, foi quando os olhos correram pelo corredor, forçando a visão na tentativa de enxergar alguém logo ali, no final da escada... Nada, ninguém; por último os olhos se voltaram ao chão, resultado de um súbito aperto no peito gerado pela lembrança de que na verdade, não havia ninguém em casa mesmo, como naquele quase instinto, de olhar para baixo quando não há mais o que ser feito.
       O que fazer quando sua única alternativa é correr de volta ao local que lhe tira tudo?
       Daquele momento em diante, ela sabia: O relógio passou a ser de novo o vilão, e o tempo, que se recusa estacionar, parecia sorrir sarcasticamente num ar de quem diz -Vamos ver como você lida com isso.
       E agora? Abriria-se uma cratera abaixo de seus pés, ou seria toda a realidade sugada para dentro de um Buraco Negro? Quem dera fosse... Mas aquilo não era um pesadelo, do qual se acorda, nem era um pressentimento ruim, do qual pode livrar-se, era nada além de fatos da vida, daqueles que são irrevogáveis, e por uma triste sentença, não subornáveis...
       Havia dentro do peito agora, uma vontade imensurável de voltar, ou avançar no tempo, na tentativa de livra-se da dor que se fazia presente e imutável.


       Os dias passariam. Ela sabia... O momento de retornar chegaria. Ela sabia... Toda a rotina desgastante e só, retornaria. Ela também sabia...

       O que houve? Não sei dizer, a história se passa em tempo real. Mas há um fato relevante que me permite acreditar que haverão melhoras, e o final, será recompensante... Ela não estava mais tão desolada, com ela agora havia a certeza de que os dias passam, as dificuldades ficam para trás, e o amanhã, sempre reserva algo melhor do que  hoje.

Susan Oliveira

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Por alguém que se foi...


       Olho pela janela, numa tentativa quase desesperada de poder novamente fitar os olhos em você... O que vejo é o campo vazio, movido pelo vento... Mas naquele caminho, no qual você costumava passar, sempre com uma flor colhida do mais vivo pé, nas mãos, não há ninguém... Você se foi, como o pássaro que voa e no céu desaparece...
       Lembro de quando você estava aqui... Seu abraço era o mais quente, suas palavras, as mais confortantes, seu sorriso era contagiante, sua voz, capaz de fazer tudo ficar bem... Suas risadas eram meu remédio, e compartilhar os momentos com você era meu passatempo preferido, mesmo que fosse pra não fazer nada... Com você o tempo não era perdido, e cada minuto valia quase uma eternidade...
       Agora olho suas fotos no computador... Fotos de uma vida compartilhada, bem vivida, mas curta, curta como o tempo que tem cada folha antes da chegada do outono... Olhar pra elas faz verterem lágrimas dos olhos, lágrimas de uma saudade eternizada...


       Somos preparados para tanta coisa na vida, mas ninguém ensina-nos a perder alguém amado... Ninguém dá suporte para suportar a maior dor do mundo... Nada é capaz de cessar o sentimento indescritível de ser separado de alguém muito querido, para sempre.
       Você foi tirado daqui pela mais cruel circunstância que existe... Mas nada poderia retirá-lo de dentro de mim... Nada poderia apagar as lembranças doces que ficaram...


       Ficou aqui o livro que você não terminou de ler... A sua agenda com compromissos marcados... Suas coisas organizadas do seu jeito...
       O seu lugar no sofá já esfriou, seu lado do banco já está cheio de folhas, suas roupas aos poucos vão perdendo seu cheiro, e a brisa já não move mais seus cabelos... O sol não reflete mais em seus olhos, e seu sorriso não se abre mais ao encontrar o meu... Seus braços não se abrem mais, e suas pernas não lhe trazem mais ao meu encontro...
       Você esqueceu comigo algumas coisas, que jamais serão devolvidas... Seu lugar na faculdade é vazio, e já é inútil preparar seu prato no almoço de domingo, quando costumávamos nos reunir entre amigos...


       Agora ficou o vento que sopra em meu rosto, sopra de leve, gelado, me dizendo com ternura que a vida segue, e que ainda há felicidade...
       Por mais que eu queira contrariar, gritar, quebrar algo, ou deixar de ocupar um espaço neste mundo, eu sei que o vento está certo...
       Lágrimas as vezes caem, outras não, sinto raiva, outras vezes saudade, tenho vontade de gritar e gritar, até que alguém ouça e tire isso de mim, mas ninguém pode... Fico em silêncio, ouço músicas, dou risada sozinha ao lembrar de nossos momentos, perco o olhar em algum lugar distante...
       Você se foi, mas eu não... Ainda estou aqui... Viverei com o que você deixou de melhor em mim... E nunca, nunca lhe esquecerei....

       Me diz.... Com quantos suspiros se escreve a palavra saudade?


Susan Oliveira

sábado, 26 de maio de 2012

Piano...



       Tudo era perfeito... Eu estava de volta ao meu lugar amado, meu porto seguro. Podia ver de novo todos aqueles a quem amo, tudo em seu lugar, doce e belo, como sempre fora... Levantava meu olhar, e pudia contemplar as ruas, as casas, o comércio... Tudo continuava exatamente como no dia em que deixei...
       Corri, em meio aos sons incomuns, em direção aos que fazem minha vida ter sentido, abracei-os... Lágrimas rolaram, mas eram de felicidade, por estar de volta. Os planos se recomeçaram de onde haviam parado... Novos eventos sendo combinados por todos, horas marcadas, lugares especificados... Sim, eu estava de volta!!
       Nada podia afetar o estado de felicidade total que me envolvia, qualquer acontecimento seria incapaz de tirar de mim tamanha alegria e sensação de sonho realizado. 
       Mas, num instante eu parei. Notei que algo era diferente, - Eu não sentia meus pés no chão - algo ali tirava o ar natural da vida. A sensação era boa, mas para que pudesse ser concreto, eu precisava da gravidade me mantendo junto ao chão, sentindo meu próprio peso sobre mim, e não, isso não acontecia...
       Voltei meu olhos para mais adiante, e notei que a vista era ofuscada, por algo que parecia ser uma névoa, não podia correr o olhar para nada que estivesse muito distante, a menos que eu me aproximasse, mas não era porque a distância me impedia de ver, e sim porque a paisagem só se formava quando eu ia em direção à ela... Neste momento me estagnei. Por um instante eu permaneci inerte, a absorver os fatos que me cercavam. Foi quando eu comecei a ouvir um som, muito agradável, como se tocado em um local de grande distância de onde me encontrava...
       A melodia me era familiar, e linda, linda de tirar o fôlego... As notas tão docemente juntadas, formando tal harmonia, aos meus ouvidos esplêndida, me faziam flutuar em lembranças e sensações indescritíveis... Eu podia ver, ouvir, tocar, e sentir o que eu quisesse, era capaz de alcançar qualquer desejo mais distante da realidade, sem o menor esforço. Então abri os olhos...
       Como quem recebe um choque de realidade, eu pude contemplar aquele palco de mármore, todo branco, com sua escadaria que levava à base de onde começavam os assentos, estufados, aveludados, em tom de vinho tinto, com detalhes em metal dourado, semelhante ao ouro amarelo... No centro daquele palco, alguém de smoking, com mãos talentosas e aparência agradável, tocava  aquele piano de cauda, que reluzia... Era possível ver as notas saindo dali, como se piano e pianista, fossem um só... Neste momento, o som cessou. E em meio à multidão que se punha de pé, aplaudindo calorosamente aquela figura clássica do meio do palco, eu despertei... Percebi que não saíra dali... Estivera o tempo todo sentada naquela poltrona, e ali, sem ao menos me mover, fora levada pela música, à realização do maior desejo...
       Me pus de pé, e juntei-me à multidão. Me escapou dos lábios um sorriso, quando pensei: "Já sei para onde virei quando a saudade se tornar um fardo sobremodo pesado..."


Susan Oliveira

terça-feira, 22 de maio de 2012

Existe um mundo maior

       Era domingo de manhã, mas naquele amanhecer não haviam pássaros cantando, o sol não mostrava seus pequenos raios em sinal de um lindo dia nascendo, e o orvalho não exalava cheiro algum, pois não estava presente ali...
       A persiana estava aberta, mas a paisagem que por ela se via, era tão obscura como se estivesse ainda fechada, a cortina não brilhava pela claridade exterior, e os ladrilhos do banheiro ainda estavam frios pela recusa do sol a entrar, e ali modificar o ambiente...
       Abri os olhos, e o que vi foi estarrecedor, era como estar em outra dimensão, nada parecia fazer sentido, despertei no mesmo lugar, mas era como se estivesse em outro.
       A saudade estava por mim amarrada, sufoquei-a, na ânsia de fazê-la menos cruel, mas o nó permanecia na garganta, implorando pra sair... Tentar conter os sentimentos não é sempre fácil...
       Levantei, os olhos queriam fechar-se e o corpo pedia por mais algumas horas de descanso. Neguei-lhes o desejo, e quase a me arrastar, me dirigi ao chuveiro, e liguei... A água que caía sobre mim parecia lavar os pensamentos, senti que enquanto eu estivesse ali, ficaria tudo bem. Era um modo de refúgio, ali nada podia me atingir, nada podia modificar meu estado...
       .... abrindo a porta do aposento, pude sentir o vento frio que por ela entrava... Olhei a escadaria que dá acesso ao rol da saída, e depois de um pouco exitar, tranquei a porta, caminhei até a escadaria, e desci. Cada degrau alcançado com a ponta dos pés, era um pensamento intenso em minha mente, prossegui. Chegando ao rol, abri a porta de vidro, que dava para rua, e saí...
       Sem destino certo, apenas a certeza de que precisava caminhar, me dirigi ao cais mais próximo, que fica ali mesmo, logo ao lado, no final da rua. O vento estava mais forte à beira do mar, e as ondas que quebravam, tão próximas à mim, permitiam que o vento trouxesse consigo, gotículas de água gelada.
       Dali, com os braços entrelaçados pelo friozinho que fazia, e com os cabelos voando em direção ao leste, eu podia avistar um paredão de rochas, formado naturalmente, de onde brotavam tipos variados de folhagens, e algumas árvores incomuns. O céu já não estava tão cinzento, e o sol parecia querer surgir. Alguns raios vinham e iam, brincando entre as nuvens que se movimentavam rapidamente, formando desenhos incríveis, inspiradores e provocantes ao vacilar do pensamento...
       Se eu pudesse escolher um instante daquele dia para congelar, e vivê-lo por dias a fio, certamente, seria aquele, aquele em que tudo formava um cenário digno de moldura, e trazia para dentro de mim, uma certa calma, um certo alívio... Era como se naquele momento, ali, olhando e sentindo tudo aquilo, eu entendesse que existia, paralelo à correria e preocupação diária, um mundo maior...
       Naquele dia, mais precisamente naquele momento da manhã, eu percebi que havia muito mais coisa ao meu redor, e que eu não estava sozinha, por mais que parecesse assim ser. Havia um mundo ao meu redor, acessível e intacto, pronto pra me acolher quando eu precisasse, por um instante, respirar, e elevar os olhos além do cotidiano...

       Deus permite certas coisas que parecem ser insuportáveis, mas Ele nunca deixa de dar todos os recursos necessários para que haja suporte e estrutura em nós.


Susan Oliveira

sábado, 14 de abril de 2012

Deslocada...

       Aqui estou eu novamente...
       Agora observo o vento que balança a palmeira, localizada bem em frente à janela, que todos os dias, faz meus pensamentos viajarem alguns quilômetros, me levando pra perto do lugar que eu queria estar...
       O som que ouço é desagradável aos ouvidos, o cheiro que sinto agora ao inspirar, não contenta meu ser, nem a brisa que entra as vezes, de leve, refrescando o calor de um clima tão oposto, é satisfatória...
       Enquanto meu semblante permanece estático, a olhar para fora, dentro de mim lágrimas rolam, banham o coração, que apertadinho pede socorro... Algo não está bem. É a saudade, que traz uma vontade insaciável de ir embora e deixar tudo de lado...
       Olho ao redor, por um estante me vejo descendo a escada e indo em direção a sala de TV, onde está alguém muito amado... Ao perceber que não há a escada para descer, e que não há ninguém amado por perto, falta-me o ar. Em momentos me vejo a bater na porta do quarto ao lado, só pra ver o semblante de alguém também amado... Noto logo que isso também não é possível, pois não me encontro mais no lugar de outrora, e aqui, não há nada, nem ninguém...
       O celular e a Internet são válvulas de escape quase perfeitas, fazem rolar as lágrimas contidas e trazem certa proximidade do pedaço de mim que ficou lá, tão longe...
       Repentinamente algo se move aqui dentro, no íntimo da alma, e grita pelo retorno, por um pouco de espaço, por privacidade, por sensações agradáveis, por momentos tranquilos, pelo colo de alguém querido... O que se passa nesse íntimo confuso e deslocado, não posso explicar... É como ser por uma vida, uma peça do quebra cabeça mais interessante e belo já visto, e em um dado momento, ser retirada dali, e posta em um lugar absolutamente oposto. Falta tudo, desde a base, até o teto...
       Vejo a todo tempo, provas de que o cuidado de Deus não se modificou, não cessou. Sei que em meio a todo o caos instalado na falta de estabilidade e segurança, Deus ainda permanece com sua mão misericordiosa e de amor inigualável ao meu redor.
       Todos os minutos eu conto o tempo, regressivamente, para voltar lá e me encaixar de novo, no meu quebra cabeça... A cada instante eu almejo estar lá, e sonho com o momento de entrar no ônibus novamente e dizer: Estou indo! Ah... É a melhor sensação, é um alívio sem tamanho, sem medida...
       Olhar para as nuvens, com a lua brilhando entre elas, traz a sensação de que ao voltar meus olhos para a terra, estarei de volta ao meu lugarzinho...
Confesso que descobrir que isso não real, faz doer o coração, mas a ilusão, ainda que breve, de estar lá, me faz buscar todos os dias essa mesma sensação...
       Hoje penso que meus limites são um pouco maiores do que imaginei, e que posso suportar um pouquinho a mais do que pensava conseguir, ainda respiro, por mais difícil que seja, e ainda estou aqui, brigando e lutando por um alvo maior que, confesso, parece ser inatingível, mas me dá um pouco de força para permanecer.
       Volto-me agora à minha momentânea nova realidade. Não. Aqui não é meu lar, tudo isso é apenas um pequeno desvio de percurso, por consequência de uma estrada bloqueada na pista, que assim que possível, será retomada, e voltarei ao meu quebra cabeça, tornando completo o sentido de tudo ao meu redor...

Susan Oliveira

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Sentimento em tinta e papel...

       Hoje eu parei pra escrever, dentre todos os sentimentos por mim experimentados, o que mais se destaca, o que mais se recusa ir, é a sensação inexplanável...
       Olho pelas janelas, ao logo dos dias, a cada lance de olhar posso contemplar uma paisagem mais linda. Vejo-me de fato cercada por belezas imensuráveis... Meus olhos se agradam, e quase que instantaneamente o cérebro diz - Quero voltar pra casa, aqui não é meu lar... Instante no qual o coração se esmiúça, vem as lembranças, da gota da chuva que caía na janela, à companhia inenarrável dos amigos que ficaram.
       É estranho ter o doce e o amargo, ao mesmo tempo, sob o julgamento do paladar. Aos poucos, neste misto dolorido e eufórico de aflições e emoções, eu me encontro... Descubro com o passar das horas que a 'frieza' que eu inocentemente imaginava ter, na verdade não existe. A cada instante, em meio à lágrimas que rolam sem nenhum pudor, eu aprendo que em meu peito há um coração sensível, vulnerável...
       Arroubos emocionais são comuns agora, pego-me vertendo lágrimas incontáveis aos mais sutis sinais de pressão ou cobrança, a saudade é cruel, e as lembranças se fazem, por vezes, torturas insuportáveis.
       Em dado momento tudo se torna insuportável. Ver os carros passando, os  ônibus levando e deixando pessoas, tudo espreme o coração, que agora sabe que não vai voltar pra casa no final de um dia exaustivo, em todos os sentidos. A mente se exausta pelo esforço, o corpo, ainda em adaptação à nova rotina, grita, e o sentimental, já frágil como um lenço de papel molhado, geme em silêncio, no oculto, apertando a garganta e impulsionando as lágrimas, que parecem não obedecer ao meu comando: Pare! Algo dentro de mim pede copiosamente para voltar, para deixar tudo. Há um conflito constante dentro de mim, no qual a mente faz um esforço incalculável para amenizar o sentimento sufocante, e o consciente racional tenta, arduamente, fazer a expressão facial ser a melhor possível...
       Agora eu fiz uma breve pausa, para por no papel esta pequena porcentagem, talvez esse um porcento que deixo em tinta e papel, alivie o peso que esta nova realidade me traz.
       Sei que bons momentos virão por aí, e reconheço os que já houveram, eu agora, anseio demasiada e desesperadamente pelo dia que tudo isso se tornará normal, comum.
       Família, amigos, ministério, hoje sei que minha vida se fundava nisso, e agora, os quilômetros que me separam de tudo, são o pior obstáculo que preciso enfrentar, todos os dias ao acordar...

       Saudade... Hoje eu digo que ela é o pior sentimento, e o pior desafio que alguém pode ter. É como se me tirassem o ar, e me forçassem a viver sem ele...

Susan Oliveira

quinta-feira, 1 de março de 2012

Reflexo


       É verão, a janela está aberta e a agradável brisa noturna acaricia delicadamente tudo que encontra em seu caminho...
       Eu estou parada, sentada, olhando dentro dos seus olhos... Posso enxergar dentro deles meu mundo. Tudo que sonhei, tudo que planejei, minhas mais eufóricas felicidades, e as lágrimas incontidas em momentos de gargalhadas espontaneamente liberadas sem o menor receio... Aquele sentimento de saudade do que nunca vivi, também está ali... Está tudo ali, dentro do seu olhar, que fita os meus de maneira doce e firme.
       Ao meu redor não há ninguém, todos já foram dormir, posso ouvir o mover do ponteiro dos segundos, do grande relógio da parede lateral, que dita o tempo conforme as batidas do nosso coração... Nosso... Eles agora batem juntos. Tudo em nós está sincronizado, e perfeitamente harmonizado...
       Sua respiração, junto a minha, faz do tempo algo controlável... Sinto-me poder eternizar o momento, com um simples pensamento, ou com o mais sutil desejar do coração... Parece que encontrei o meu outro lado. Vejo-me diante da mais bela forma humana que já pude presenciar, e nada, nem ninguém, pode modificar a perfeição desse instante. O que existe nesta troca de olhares, torna a cena, não como um quadro sendo pintado, que tendo sua tinta ainda molhada, pode borrar-se, e sim como o esculpir de uma rocha, praticamente inalterável, imutável.
       Tudo está perfeito, mas... Espere... Algo se modifica... Talvez a iluminação esteja oscilando... Talvez a energia tenha sofrido uma pequena alteração... Não! O que está havendo?? Sua imagem está ficando ofuscada, mal posso focar meu olhar em seus olhos... Paro. Aperto os olhos. Abro-os novamente, na tentativa de contemplá-lo... Nada! Onde está sua imagem?? Onde está aquele ser?? Pra onde foi quem tinha meu mundo nos olhos??
       Levantei-me... Estou agora estagnada e ofegante. Faltam-me palavras para a penosa constatação...
       Tudo que vi, tudo que senti, tudo que presenciei num sonho acordada, não passara de um reflexo no espelho... A iluminação deste cômodo sofrera contorções explicadas pela óptica, e unida ao sentimento que rasgava meu peito, como alguém que se encontra sem ar a metros abaixo das ondas do mar, e dá tudo de si para emergir mais uma vez e absorver o máximo de oxigênio possível, me fizera ver o que nunca existiu... Criei o encontro perfeito, o momento sonhado, o presente almejado...
       Agora eu firmo o olhar novamente, no que antes era a mais agradável figura já vista, e o que vejo sou eu, refletida no espelho, com uma expressão de profunda frustração. Então me viro, dirijo-me cabisbaixa à janela para fechá-la, puxo as cortinas, volto-me ao canto direito do quarto, apago as luzes, e em meio à escuridão total, deito-me, desiludida, e durmo... Amanhã, tudo não passará de uma vaga lembrança...

Susan Oliveira

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Enlace...


       As folhas caíam... O outono deixava a paisagem em tom pastel, agradável aos olhos, e tentador aos pensamentos, que em parceria com o coração, tornava impossível que a conexão entre eles fosse rompida, por um segundo sequer... A ponte que ligava os dois lados do parque, era o arco do amor eterno... O canto dos pássaros faziam do cenário, o lugar perfeito para um romance clássico... O lago, sereno e exuberante, sustentava em sua superfície o casal mais apaixonado da cidade.
       Podiam haver pessoas ao redor deles, mas nenhuma conversa, nenhuma risada infantil, nem mesmo um grito de alguém que almeja chamar a atenção de quem está do outro lado, tinha a capacidade de fazer com que os olhares deles se desentrelaçassem.... Tudo era mágico, perfeito como um sorriso sincero, como a água fresca que desce a garganta num momento sedento, como o receber de um presente muito esperado e especial, como aquele abraço dado na hora certa, por quem mais lhe agrada.... Ambos desfrutavam de um momento eterno... Nada mais importava, simplesmente,  porque eles tinham um ao outro...
       Ali naquele cenário de tirar o fôlego, estavam duas almas fundidas... Os corpos já não eram mais dois, e sim um, uma só carne, um só coração... Sobre o barco de passeio, estava a gravata e a grinalda, o terno escuro, em contraste com o belo vestido branco, de vez em quando, mesmo possuindo duas cores tão distintas, se tornavam mesclados, talvez porque havia ao redor deles, uma certa neblina de felicidade, algo os envolvia, era colorido, era agradável de se olhar, tinha a cor do amor...
       Instantes antes de estarem ali, sobre aquele lago espelhado, estavam ambos sob o teto de uma igreja, recebendo a benção final, e selando para todo o sempre, aquela aliança de amor... Momentos antes, ambos se misturavam, deixavam de ser corpos separados e distintos, e assumiam o papel de viver um pelo outro. Sim... Era o maior dos acontecimentos, o presente que Deus deu para aqueles que tem a audácia de lutar por um sentimento compartilhado e maior... O casamento.
       O que meus olhos, impressionados, podiam ver, era apenas um passeio, apenas o cenário que eles escolheram para eternizar o dia, em fotografias... Aquele acontecimento abrangia muito mais do que um instante de felicidade à dois... Ali começava uma nova etapa, um novo tempo. Ali se concretizava o início de uma vida compartilhada, cedida, doada, entregue... O que haveria pela frente, eu não sei, e o mais impressionante, é que ninguém sabe... Mas o que importa é que agora eles estavam juntos, eram um só, agora eles formavam um cordão de 3 dobras, que não se rompe facilmente...



Susan Oliveira

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A cena...


       Bolsa largada sobre o sofá... Echarpe deixada no corrimão da escada que leva aos quartos... No corredor, o par de sandálias deixadas paralelamente ao tapete de camurça... A porta do quarto, deixada aberta, permitia-me ver a cena triste que ali dentro havia...
       Os cabelos, antes perfeitamente arrumados e escovados, estavam agora despenteados e presos por um elástico desleixadamente colocado, num momento de extrema intensidade emocional... Os pés já estavam descalços...  A maquiagem, antes tão precisa e caprichada, estava agora desfeita pelas lágrimas incessantes... O vestido fino, delicadamente bordado por mãos talentosas, agora estava amassado e molhado pelas lágrimas que não morreram na boca, antes desenhada pelo batom mais caro do último lançamento... As jóias ainda lhe enfeitavam o corpo, fazendo seu rosto, avermelhado e manchado, parecer mais carente, tornando seu colo, em movimento, aos soluços, um pouco mais corado, a pulseira e o anel, colaboravam para que a cena vista se tornasse ainda mais digna de compaixão... Ela era culta, bonita, doce, meiga, e esbanjava delicadeza, mesmo em meio as lágrimas...
       A chave estava jogada sobre a mesa de estudos, colocada com muita cautela ao pé da cama. As flores ainda estavam na água, elas eram a única beleza viva daquele cômodo, que não estava a afogar-se em lágrimas. Os retratos, bem distribuídos pela mesa, tornavam o lugar ainda mais aconchegante e convidativo à apreciação...
       Sentada em uma poltrona que ficava ao lado da cama, estava a protagonista da cena mais triste. Ela não se movia, estava inerte, como se tivesse sido colocada ali em um momento de profunda exaustão, por alguém que a amava o suficiente para dar a vida em nome de sua felicidade, só para poder vê-la sorrir.
       Abraçada junto a almofada, adormecera ela... Ali estava quem acabara de perder um pedaço grande de sua vida... O silêncio que reinava sobre a casa era tão absoluto, quem nem o vento se ousou a mover as cortinas de seda que ali estavam... Era como se o universo todo tivesse parado, num ato digno de admiração, em respeito ao sufocante sentimento que dominava aquele lugar...
       Aprisionada em um corpo exausto e desiludido, estava uma alma viva e um espírito forte. Dentro daquele corpo, alguém cheio de sentimentos e vontades, gritava por socorro... Aquele rosto manso e de uma delicadeza ímpar, carregava um sentimento maior que o mundo, e trazia consigo os melhores sentimentos já experimentados pela humanidade... O que eu podia ver, era a embalagem daquela alma...


       Neste momento, a visão me foi ofuscada... Eu não mais podia ver com clareza o quarto, nem a doce criatura que ali estava, envolta em lágrimas. Então eu olhei para casa, e dela podia ver seu telhado, que também ia se afastando, lentamente, até que eu pudesse ver todo o bairro, onde estava aquela casa, com aquele quarto... Em pouco tempo pude ver toda a cidade, não era tão grande, mas me fizera saber de algo  inesquecível. A cena que me cortara o coração era minha. Aquela 'doce criatura', era eu. E como ela, naquela mesma noite, se encontravam outras tantas pessoas em situações semelhantes, piores, e algumas até menos intensas, mas que para aqueles que sentiam, era igualmente dilacerador...
       Entendi, naquele momento, que das dores e sofrimentos da vida, nem eu, nem ninguém que esteja usufruindo do privilégio de estar vivo, estará livre. Entendi, que cenas como essa sempre existirão, em todo lugar, com todo o tipo de indivíduo...
       Embasbacada, mediante tal cena, eu concluí que a vida era feita de pedaços, desde os insuportavelmente tristes e dolorosos, até aqueles em que falta-nos o fôlego de tanta felicidade e euforia. Entendi que esses pedaços são como peças de um quebra cabeça, de tal modo que não podemos deixar nenhum deles de fora, é indispensável sentir a dor que esmiúça o coração, da mesma maneira que é indispensável sentir o peito estufado de prazer e satisfação...

"A dor é um presente, que nos foi dado com o intuito de fazer-nos fortes e gratos. Se não existissem os momentos difíceis,
qual seria o valor dos agradáveis?"


Susan Oliveira

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Ela...


       Agora ela está parada, estagnada, estática, tão imóvel quanto o mais puro diamante, em toda sua dureza e resistência, como o mais antigo e extenso monte...
       Vê-se diante do findar do outono... Tudo o que ela tem agora, assim como as folhas, estão se desprendendo e sendo levadas pelo vento. Não há o que se possa fazer, o outono chega ao fim, e todas as folhas se vão, tudo que ela tem se vai...
       Está como diante de um penhasco, bem à beira, tendo a oportunidade de voltar para trás e permanecer com toda a estabilidade, segurança e felicidade que possui, ou num impulso único, se lançar à queda, deixar tudo ali em cima, e se entregar à desconhecida e, um tanto assustadora, oportunidade...
       De tudo que um dia ela pode desejar, isso sem dúvidas foi o que a tomou mais tempo, o que mais a levou ao crescimento, em todos os âmbitos, em todas as áreas, e o que mais a cobrou decisões, não se importando com a estrutura que ela possuía, ou com o que teria de abrir mão...
       O momento que ela deixaria de viver se fosse possível, chegou, e como um golpe muito bem aplicado, em uma luta entre lâminas cortantes de espadas, o qual encerra a batalha num milésimo de segundo que mal se pode perceber, assim à toma este acontecimento...
       É outra etapa, que talvez ela nem viva, por preferir não saltar... Ou talvez ela viva, passe, e ao chegar ao fim, finalmente diga: Valeu a pena!
       É uma oportunidade ímpar, concedida por Deus, em sua infinita misericórdia...
...
       Agora ela está parada, o silêncio sepulcral que a envolve é intenso, as batidas descompassadas e aceleradas de seu coração quebram a quietude que domina. A respiração é ofegante e trabalhosa, como se fosse necessário à ela, rasgar as paredes do sistema respiratório, a cada inspiração, para que lhe pudesse entrar um pouco de oxigênio. Não há espaço para pensamentos, o sentimento, indecifrável e inexplicável com nossas vãs palavras, ocupa todo o seu ser.
       A maior porta de sua vida, acabara de ser aberta, e as outras portas menores, foram definitivamente fechadas, exceto a de trás, que ainda à convida a voltar, e permanecer da mesma maneira. Decisão morbidamente difícil.
       A madrugada, cruel inimiga, a deixa sozinha, sem a possibilidade de recorrer à quem ela ama, sem o conforto de um abraço humano, e sem a chance de expor o sentimento que esmiúça seu peito à alguém que faça parte de sua vida. Ela converte em lágrimas toda a dor eufórica, de ter nas mãos o desejo realizado, com um grande preço a pagar...
       Tente imaginar-se no lugar dela, agora... Segure com força o que mais lhe agrada e mais lhe trás felicidade, abrace isso, sinta isso, ainda que seja algo abstrato e impalpável, tenha-o em suas mãos por um instante, use seu coração para torná-lo passível de ser tocado e sentido intensamente... Agora, ainda com isso em mente, imagine seu maior sonho, algo que além de necessário, seja uma grande vontade, um desejo imenso de seu ser, algo pelo qual esperou anos a fio, e lutou muito para conseguir... Feito? Imagine-se agora a ter as duas coisas nas mãos, e ter que escolher entre elas... Difícil, demais.
       Entre soluços e lágrimas, e a alegria imensa da conquista, ela deixa o jardim escuro e frio, e já um pouco molhado pelo orvalho, e se dirige ao seu leito, a esperança é a de sempre... Que ao despertar, tudo seja melhor. É fato comprovado, que quando acordamos, tudo sempre parece menor, menos dolorido, menos difícil, a dor do momento é sempre maior.
...
       Ela sabe que este é apenas o fim do outono, e que logo logo virá o inverno, a primavera, o verão, e o ciclo natural prosseguirá como sempre... Ela sabe que o valor da conquista supera pequenas dificuldades... Ela tem consciência de tudo que vai perder, e de tudo que vai ganhar com isso... Mas o que mais importa, é que ela sabe que Deus estará com ela, onde quer que ela coloque a planta dos pés, e que não importa o lugar em que ela resida, ou o tipo de rotina que terá que aderir, o Espírito Santo sempre a acompanhará, e no fundo, a comunhão e a presença Dele, é a única coisa que importa.
       É com essa certeza em mente, que vejo-a deixando o jardim, e subindo os degraus da varanda... Ela não olhou pra trás, mas antes de entrar, levantou seus olhos em direção à Lua, que estava ao lado direito, e sorriu, enquanto a última lágrima rolava pelas maçãs de seu rosto. Ela voltou os olhos para a frente, abriu a porta, e entrou. A partir dali, começava um novo tempo em sua vida...

Susan Oliveira

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Universo...

       Você seria capaz de descrever o som de um floco de neve a cair? Vamos. Pense, tente imaginar... Se pudesse ouvi-lo, como seria? Difícil dizer? Pois bem, esse mesmo som, tem os pensamentos que habitam uma mente...
       Deixe-me tentar outra coisa... Ah! Claro... Tente explicar o aroma de uma gota de água, em sua mais pura fórmula... Qual é o cheiro? Ainda está complicado? Pois é... Essa é a fragrância que as emoções possuem...
       Agora, esforce-se um pouco, explique a consistência do ar que respiramos, não por fórmulas, nem por leis Físicas, mas por sua própria experiência com ele, imagine-se apalpando-o... Que forma teria? Qual seria sua textura? Não tem como dizer, não é mesmo? Sabe?... Essa é a textura dos instintos no campo emocional...
       Ninguém, em todo o mundo, seria capaz de traduzir em palavras, o que carregamos dentro de nós...
       Por trás de cada olhar, existe uma história que ninguém nunca contou inteiramente, existe um universo de sensações e sentimentos, que só conhece, quem os possui dentro de si.
       Por trás de cada sorriso, existe uma vida, tão complexa, que ninguém seria suficientemente inteligente, para transcrever.
       Por trás de cada semblante, existe um mundo. Interno, particular, e inacessível...

       Hoje brindo à nós, seres humanos, que conseguimos carregar dentro de nós, ali, onde ninguém pode ver, um universo inteiro... Desconhecido, e incrível.

Susan Oliveira

sábado, 14 de janeiro de 2012

Café


       Era madrugada de sábado, tão tarde, ou tão cedo, que já não podia-se ouvir o cricrilar dos nossos noturnos companheiros de campo...
       Como de costume, eu ainda não havia me deitado, nem sequer estava no meu aposento. A cena que eu tinha diante dos meus olhos era a sala de TV. Ao ruído do filme que passava na grande tela, posicionada de forma confortável à quem a assiste, eu podia contemplar o vazio daquele cômodo, não tinha ninguém ali, nada estava fora do lugar, e nada do que eu falasse ou fizesse ali, teria resposta...
       Os pensamentos pairavam em minha mente, e ali se conturbavam como as folhas outonais nas ruas, em dias de forte vento. O que passava nela? Não sei dizer... Talvez nunca conseguirei explicar tais pensamentos, sobremodo intensos.
       O relógio não fazia nem sequer uma pausa. Cumpria seu dever de ditar o tempo, com afinco, como o faz todos os dias... Também, não importaria se ele parasse, se ele fizesse uma breve pausa, me permitindo assim, recuperar o fôlego que fora tirado no instante em que me pus a pensar, pois o amanhecer, rs, ele já estava à caminho. Já podia ouvir o canto dos pássaros, anunciando que a vida seguia, e mais um capítulo se abria...
       Não pude nesse meio tempo, perceber o revesamento da Lua e do Sol. Tanto me consumiam os pensamentos, que não havia sobrado nem uma gota de atenção, para que a pudesse inclinar ao amanhecer.
       Foi abrupta a maneira com que despertei do que parecia ser um sono profundo. Algo no ambiente havia mudado, do cheiro fabuloso e inexplicável da madrugada, passei sentir um aroma convidativo e irresistível... Era o café, que ali na cafeteira, previamente programada para fazer-lo naquela determinada hora, se exalava sem timidez, por toda a casa.
       No instante em que aquele cheiro familiar e aconchegante entrou em minhas narinas, eu tive a certeza... Aquela certeza, de que aquilo que mais me atormentava, havia naquele momento, sido respondido, com tamanha clareza, que me fazia inerte.
       Daquele momento em diante, sem dúvidas, meu olhar sobre tudo e todos, estava definitivamente alterado. Na companhia daquele agradável aroma, eu tinha encontrado uma resposta, uma solução.
       O café, naquele momento, me serviu como fonte de ideias. Naquele instante, o seu aroma foi como o estouro de uma brilhante solução dada por um amigo, quando mais se precisa. Em alguns poucos segundos, eu entendi o que não tinha conseguido perceber em mais de 10 anos...
       Nem tudo em nossa vida chega a ser concluído ou compreendido totalmente, mas algumas coisas - e ouso dizer que, principalmente aquelas que estão debaixo do nosso nariz -, são as que mais demoramos para perceber. Talvez isso seja bom... Talvez seja uma peça bem pregada do acaso, ou uma interrogação lançada por anjos, para que deixemos o conforto de nossos mundos particulares, e abramos os olhos para o que está mais adiante...
       Mas, independente do motivo, sempre será bom se deparar com coisas que nos despertem o óbvio, que existe em tudo, mas nem sempre estamos prontos para enxergá-lo. Mesmo que essa 'coisa despertadora', seja o aroma de um bom café pela manhã...

Susan Oliveira