sábado, 26 de maio de 2012

Piano...



       Tudo era perfeito... Eu estava de volta ao meu lugar amado, meu porto seguro. Podia ver de novo todos aqueles a quem amo, tudo em seu lugar, doce e belo, como sempre fora... Levantava meu olhar, e pudia contemplar as ruas, as casas, o comércio... Tudo continuava exatamente como no dia em que deixei...
       Corri, em meio aos sons incomuns, em direção aos que fazem minha vida ter sentido, abracei-os... Lágrimas rolaram, mas eram de felicidade, por estar de volta. Os planos se recomeçaram de onde haviam parado... Novos eventos sendo combinados por todos, horas marcadas, lugares especificados... Sim, eu estava de volta!!
       Nada podia afetar o estado de felicidade total que me envolvia, qualquer acontecimento seria incapaz de tirar de mim tamanha alegria e sensação de sonho realizado. 
       Mas, num instante eu parei. Notei que algo era diferente, - Eu não sentia meus pés no chão - algo ali tirava o ar natural da vida. A sensação era boa, mas para que pudesse ser concreto, eu precisava da gravidade me mantendo junto ao chão, sentindo meu próprio peso sobre mim, e não, isso não acontecia...
       Voltei meu olhos para mais adiante, e notei que a vista era ofuscada, por algo que parecia ser uma névoa, não podia correr o olhar para nada que estivesse muito distante, a menos que eu me aproximasse, mas não era porque a distância me impedia de ver, e sim porque a paisagem só se formava quando eu ia em direção à ela... Neste momento me estagnei. Por um instante eu permaneci inerte, a absorver os fatos que me cercavam. Foi quando eu comecei a ouvir um som, muito agradável, como se tocado em um local de grande distância de onde me encontrava...
       A melodia me era familiar, e linda, linda de tirar o fôlego... As notas tão docemente juntadas, formando tal harmonia, aos meus ouvidos esplêndida, me faziam flutuar em lembranças e sensações indescritíveis... Eu podia ver, ouvir, tocar, e sentir o que eu quisesse, era capaz de alcançar qualquer desejo mais distante da realidade, sem o menor esforço. Então abri os olhos...
       Como quem recebe um choque de realidade, eu pude contemplar aquele palco de mármore, todo branco, com sua escadaria que levava à base de onde começavam os assentos, estufados, aveludados, em tom de vinho tinto, com detalhes em metal dourado, semelhante ao ouro amarelo... No centro daquele palco, alguém de smoking, com mãos talentosas e aparência agradável, tocava  aquele piano de cauda, que reluzia... Era possível ver as notas saindo dali, como se piano e pianista, fossem um só... Neste momento, o som cessou. E em meio à multidão que se punha de pé, aplaudindo calorosamente aquela figura clássica do meio do palco, eu despertei... Percebi que não saíra dali... Estivera o tempo todo sentada naquela poltrona, e ali, sem ao menos me mover, fora levada pela música, à realização do maior desejo...
       Me pus de pé, e juntei-me à multidão. Me escapou dos lábios um sorriso, quando pensei: "Já sei para onde virei quando a saudade se tornar um fardo sobremodo pesado..."


Susan Oliveira

terça-feira, 22 de maio de 2012

Existe um mundo maior

       Era domingo de manhã, mas naquele amanhecer não haviam pássaros cantando, o sol não mostrava seus pequenos raios em sinal de um lindo dia nascendo, e o orvalho não exalava cheiro algum, pois não estava presente ali...
       A persiana estava aberta, mas a paisagem que por ela se via, era tão obscura como se estivesse ainda fechada, a cortina não brilhava pela claridade exterior, e os ladrilhos do banheiro ainda estavam frios pela recusa do sol a entrar, e ali modificar o ambiente...
       Abri os olhos, e o que vi foi estarrecedor, era como estar em outra dimensão, nada parecia fazer sentido, despertei no mesmo lugar, mas era como se estivesse em outro.
       A saudade estava por mim amarrada, sufoquei-a, na ânsia de fazê-la menos cruel, mas o nó permanecia na garganta, implorando pra sair... Tentar conter os sentimentos não é sempre fácil...
       Levantei, os olhos queriam fechar-se e o corpo pedia por mais algumas horas de descanso. Neguei-lhes o desejo, e quase a me arrastar, me dirigi ao chuveiro, e liguei... A água que caía sobre mim parecia lavar os pensamentos, senti que enquanto eu estivesse ali, ficaria tudo bem. Era um modo de refúgio, ali nada podia me atingir, nada podia modificar meu estado...
       .... abrindo a porta do aposento, pude sentir o vento frio que por ela entrava... Olhei a escadaria que dá acesso ao rol da saída, e depois de um pouco exitar, tranquei a porta, caminhei até a escadaria, e desci. Cada degrau alcançado com a ponta dos pés, era um pensamento intenso em minha mente, prossegui. Chegando ao rol, abri a porta de vidro, que dava para rua, e saí...
       Sem destino certo, apenas a certeza de que precisava caminhar, me dirigi ao cais mais próximo, que fica ali mesmo, logo ao lado, no final da rua. O vento estava mais forte à beira do mar, e as ondas que quebravam, tão próximas à mim, permitiam que o vento trouxesse consigo, gotículas de água gelada.
       Dali, com os braços entrelaçados pelo friozinho que fazia, e com os cabelos voando em direção ao leste, eu podia avistar um paredão de rochas, formado naturalmente, de onde brotavam tipos variados de folhagens, e algumas árvores incomuns. O céu já não estava tão cinzento, e o sol parecia querer surgir. Alguns raios vinham e iam, brincando entre as nuvens que se movimentavam rapidamente, formando desenhos incríveis, inspiradores e provocantes ao vacilar do pensamento...
       Se eu pudesse escolher um instante daquele dia para congelar, e vivê-lo por dias a fio, certamente, seria aquele, aquele em que tudo formava um cenário digno de moldura, e trazia para dentro de mim, uma certa calma, um certo alívio... Era como se naquele momento, ali, olhando e sentindo tudo aquilo, eu entendesse que existia, paralelo à correria e preocupação diária, um mundo maior...
       Naquele dia, mais precisamente naquele momento da manhã, eu percebi que havia muito mais coisa ao meu redor, e que eu não estava sozinha, por mais que parecesse assim ser. Havia um mundo ao meu redor, acessível e intacto, pronto pra me acolher quando eu precisasse, por um instante, respirar, e elevar os olhos além do cotidiano...

       Deus permite certas coisas que parecem ser insuportáveis, mas Ele nunca deixa de dar todos os recursos necessários para que haja suporte e estrutura em nós.


Susan Oliveira