segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Ao menos um sussurro

          Era noite, embora fosse horário de verão, a escuridão já havia tomado conta de toda a ilha. Com as gotas de chuva que caíam do céu, amenizando o calor cruel que fazia, vieram os pensamentos... Cada imagem a frente daqueles olhos castanhos trazia uma conexão com o que estava por vir.
          Era outro daqueles momentos em que ela se perguntava "céus, o que é que eu vim fazer aqui?". Se aproximava o momento de realizar o que para quase a totalidade da humanidade é algo corriqueiro e banal, mas para ela, consistia em uma das dificuldades que tem uma placa no hall das maiores e mais assustadoras que podem haver. O relógio seguia seu curso, o universo se movimentava, e a cada milímetro que a Terra se movia, faltava um pouco menos para a madrugada em que os mesmos olhos castanhos, com olhar perdido e distraído, se abririam para iniciar o trajeto. Se trata apenas do tempo passando, mas para ela, era como o gado na fila do matadouro, a contar os segundos para sua vez.
         Seus olhos percorriam cada metro ao redor, ela estava cercada de pessoas naquele momento, era uma grande reunião, mas ela estava sozinha. Não havia ninguém ali dentro, no meio de tantos humanos a interagir, que pudesse compreender ou compartilhar seu sutil, discreto e imperceptível desespero. Sim, estava sozinha, no meio de dezenas de pessoas.
          Ela  queria gritar, chutar alguma coisa, ou se jogar em umas das grandes poças formadas na rua pela chuva, até alguma coisa acontecer. O desejo preso em seu peito, era de um abraço, uma mão a tocar a sua, uma palavra, um sorriso, talvez apenas um sussurro, de alguém que não demonstrasse nada em seu semblante, mas baixinho, quase inaudível, dissesse "lhe compreendo". Desejo vão. Ninguém podia entender. Nenhuma mão se moveu, nenhum sorriso se formou, nenhum lábio se moveu para pronunciar as palavras. Ela estava sozinha.
          Como num lapso de consciência ela se levanta. No meio das pernas e braços a se moverem, está seus olhos castanhos fitando o chão em busca do espaço de maior facilidade para se ausentar daquele cenário... Então ela desce as escadas, ganha o corredor da saída, e corre para o grande portão cinza de ferro, da entrada principal, na ânsia de sair, e então pára. Estática ela observa as gotas caindo do céu, a molhar o gramado do campo em frente. Desiste. Em vez de por os passos apressados para fora, ela caminha até o banco de madeira ao lado, e se senta.
          Os minutos que se seguem são de um silêncio sepulcral, sombrio, gélido. O som permanecia, a interação na reunião do andar de cima continuava, mas naquele instante, o mundo próprio dela, parou. Nada se ouvia... Os pensamentos caminhavam de um lado para outro de sua mente, como formigas a caminhar após uma ameaça, desnorteados, sem rumo, mas sem nem um ruído sequer... Era um misto de total distração, com uma detalhada e impecável análise de possibilidades e estratégias, tudo voltado unanimemente para o momento que estava por vir. Nada soava, até que o silêncio absoluto se quebra por uma lágrima nada tímida, que rapidamente ganha olho, rosto, queixo... E por fim se lança no molho de chaves em suas mãos, momento no qual se anuncia o fim da reunião, e os pés apressados e felizes começam a descer as escadas, saltitantes. Ela desperta, e num ato de pura auto-proteção, sorri, e se despede...
          No caminho molhado, enquanto as gotas molham seu rosto, uma personagem ímpar lhe acompanha. Ele era alto, moreno, e tinha para ela o sorriso mais bonito do mundo. Era como um cais em meio à tempestade, na maior parte do tempo - embora naquele instante não possuía a capacidade que lhe era tão necessária, a saber, aquele sussurro acima descrito -. Eles caminham, e em um terço da distância, brecam. Ele chegou no lugar onde a veria pela última vez naquela noite. Ela olha para ele, em seu interior ainda havia a esperança de ouvir o sussurro, mas é vão. De fato o que ela vivia dentro de si, não podia mesmo ser compreendido, não era passível de explicação ou tão pouco podia ser compartilhado. Eles se despedem, e ela prossegue os dois terços restantes do caminho até sua última parada antes do momento que lhe causava tamanho desespero. A chuva cai...
          Não sou apta a dizer-lhe, caro leitor, o que ocorre depois disso. Escrevo agora em tempo real, e tanto quanto qualquer um que ler, nada conheço sobre o futuro próximo da dona dos olhos castanhos, entretanto compartilho com vocês seu último pensamento por mim observado... Entre as gotas de chuva a desfocar a visão, estava pairando uma certeza caótica, porém revigorante:

"Nada mais importa. Dentre tudo que vivi, e do que talvez ainda viva, nos instantes em que o mundo se torna um lugar insuportável à mim, não tenho ninguém senão aquele que permanece em todos os lugares, em todos os momentos. Não importa o que se passará, se voltarei ou se nem mesmo chegarei ao momento responsável por todo transtorno dos pensamentos, independente do resultado, o mundo permanece nas mãos de quem tudo vê, e se o mundo me contém, estou igualmente nas mãos dele, nada temerei.".

Susan Oliveira

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Uma carta ao "coração do Cérebro"...

Querido Sistema Límbico,


          Lhe escrevo com auxílio de todo meu encéfalo, cada neurônio se une para lhe escrever, com todo meu carinho e toda razão que pode haver em um ser.
          Eu sei que o que chamamos de 'últimos tempos' não lhe tem sido fáceis. Ninguém melhor do que eu, pode compreender a angústia que lhe é gerada por inúmeras e incessantes vezes, enquanto desesperado, você tenta manter o foco, ou ao menos tenta - e com muita perseverança, eu sei -, não permitir que o restante do sistema nervoso central, entre em colapso. Eu sei que você não gosta de muitas coisas, e peço desculpas por lhe fazer passar por elas, eu lhe pouparia, se fosse possível, de grande parte das circunstâncias e acontecimentos que lhe afligem, entretanto, tal beneficência está além de minha alçada. Lamento por isso.
          Existem muitas coisas das quais eu poderia falar-lhe hoje, mas escolhi uma que embora eu saiba que lhe faz chorar, e que por vezes você abstrai, fazendo de conta que é possível esquecer, ou simplesmente se abster de lidar, julgo ser importante, e então sigo esta carta como meio de lhe confortar, e fazer-lhe saber que estamos juntos nessa. Meu querido Sistema Límbico, somos um só, também sou parte disso, e cada sentimento que em você é produzido, reflete em minhas ações, em meu físico, e até mesmo no resultado do que me proponho e/ou preciso fazer. Leia com atenção, e guarde essas palavras para os próximos desafios...
          Hoje estive pensando, enquanto voltava do que poderia tranquilamente ser minha rotina de vida, sem que eu nunca me cansasse, e me deparei com suas produções a me afetar... Um pouco de medo, uma boa dose de desânimo, e aquele mar de incertezas que trazem um pouco de tristeza e a vontade de retroceder... Sabe, eu quero que você saiba, e que nunca se esqueça, que tudo isso vai passar.
          Estamos prestes a retornar para o lugar que lhe faz produzir tantas aversões, e quase me gera uma leve desidratação, pelas lágrimas que me implora verter. Eu compreendo o quanto lhe é ruim, mas eu quero que você procure olhar pelo lado bom... Sabe aquela velha história do "copo meio cheio", é sério, a gente precisa disso! Contando brevemente o tempo que nos resta no nosso tão querido e confortável lar, pego-me oprimida por suas produções catastróficas, e disto surge um grito desesperado, que sai bem lá de dentro, de onde ninguém pode entrar, e ecoa pelos labirintos que seus sulcos e giros formam, sabe o que ele diz? "Por favor, eu preciso que você suporte um pouco mais, eu prometo que vai passar, me ajude, só mais um pouco!".
          Querido Sistema Límbico, nós vamos conseguir! Eu lhe garanto que vamos passar por isso, e de alguma forma, valerá a pena, nem que seja só pelo gosto magnifico de poder dizer "ACABOU!". Eu tenho algumas sugestões, espero que consiga seguí-las, são de bastante eficácia... Bem, vou pontuar, para ficar mais fácil de gravar:
  • 1. Quando chegar a hora de ir, e sua súplica pelo acionamento da válvula de escape mais eficaz que já conhecemos, ocorrer, não se acanhe, eu vou ceder à sua vontade, e então nós vamos chorar juntos! Mas eu quero que em troca, você se esforce para manter a ordem, e não deixar que o caos se instale, mantenha o foco, e não se esqueça: Vai passar!
  • 2. Quando as lágrimas trouxerem para nós o sono, e então desligarmos um pouco, procure descansar, eu sei o que nos espera na outra ponta da rodovia, mas eu reforço: Vai passar!
  • 3. Quando os motores se desligarem, acenderem as luzes e alguém disser sutilmente, que alcançamos o destino, por favor, não se apavore. Permita-me respirar, e me ajude a manter o semblante e o pensamento em coisas boas, mesmo quando você produzir aquele "nó na garganta" que tanto nos acompanha naquele lugar, e lembre-se: Vai passar!
  • 4. Na hora de pegar as malas, é... Aquele momento único e terrível, que faz-nos lembrar que "já era", chegamos e agora estamos por conta própria num lugar estranho, me ajude! Não me faça chorar. Vamos caminhar juntos e seguros até o transporte, e sugiro fortemente não pensar que depois dali, estaremos de volta ao que sarcasticamente, nomeamos "casulo". Vamos pensar: Vai passar!
  • 5. Bem, quando chegar o primeiro dia útil da semana, e então começarmos a lutar para sobreviver à rotina, não se desespere, não desanime, não perca as forças!!! Eu lhe garanto: Vai passar!!!! Então me ajude a continuar, ainda que para isso você precise de um incentivo diário... Eu lhe dou!!! Eu posso fazer um calendário regressivo, eu posso me comprometer à lhe dar momentos alegres, pelo menos uma ou duas vezes por mês... Nós podemos negociar, mas por favor, não desista! Vai passar!!!

          Por último, querido Sistema Límbico, eu lhe convido a dar uma olhadinha para trás, e relembrar de tudo que já vivemos... Sabe, já passamos da metade!! Eu sou tão grata à você! Sempre que precisar, debruce-se sobre as memórias do passado, eu, ainda que inconscientemente, lhe dou a vantagem de não recordar das coisas ruins e desanimadoras, veja o privilégio!! Quando estiver relembrando, só haverão recordações edificantes, revigorantes... Então olhe!!! Olhe e siga em frente! Vai passar rápido, eu lhe garanto. Força, meu querido Sistema Límbico! Falta pouco!



Lembre-se dos dentes-de-leão, e imagine cada desafio como uma de suas sementes...
Estamos no fim, cada desafio vencido, é uma semente que se desprende e voa...
Elas caem em lugares distintos, e produzem os frutos que nós, pela incrível graça de Deus, ganhamos depois de cada esforço.
Em breve findaremos esta etapa! Vamos lá! Nós vamos conseguir!

Susan Oliveira