sábado, 21 de novembro de 2020

Em seus olhos

 


Foi em seus olhos que eu vi...

Vi o futuro próximo sorrir para mim,

Vi a possibilidade do improvável florescer,

Vi o meu mundo refletido em seus espelhos castanhos.


Foi em seus olhos que vi...

Vi o final da vida solo,

Vi o ponto de partida de uma nova jornada,

Vi as cores da vida em contraste e alta resolução.


Foi em seus olhos que vi...

Vi a rotina cômoda se esvair,

Vi as peças do quebra-cabeça se misturarem outra vez,

As peças de uma vida solitária planejada com cautela.


Foi em seus olhos que vi...

Vi um sentimento chegar e bagunçar tudo,

Vi o mesmo vento que faz voar seus negros cabelos,

A levar as certezas forjadas, e trazer diversos "talvez".


Foi em seus olhos que vi...

Vi as luzes da aurora a sussurrar sem som algum,

Que os muros ficam melhores quando vão ao chão,

E permitem entrar o que assusta e agita a calmaria.


Foi em seus olhos que vi...

As nuvens a dizerem que o sol já foi encoberto,

E que agora é seguro sair do esconderijo,

Foi em seus espelhos castanhos, que encontrei o meu portal.


Foi em seus olhos que vi...

É em seus olhos que vejo,

E é em seus olhos que espero no futuro, ver,

Que cada passo valeu a pena, e que no fim, tudo se encaixa.



Ao meu amor, Jairo, que me faz ver, todos os dias, que

a vida por vezes dá passos trançados e muda direção

de tudo que segue inerte, em eterna automaticidade.



Susan Oliveira

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Apenas mais um capítulo

       Era uma noite quente, como a devastadora maioria das noites e dias daquele peculiar Estado. Como a hora já estava avançada, não haviam pessoas em grande quantidade pelas ruas, apenas uma ou outra criatura vivente deambulava por direções que pareciam aleatórias, embora seus semblantes demonstravam que sabiam mesmo para onde estavam indo.
       A dona dos olhos castanhos caminhava de volta para a república, que não carinhosamente apelidou de ‘lar, salgado lar’. Com passos suaves e lentos, que pareciam calculados, planejados, como se a cada vez que a planta dos pés se firmasse no chão, parte de suas certezas se desfizessem, e então se tornasse necessário uma breve pausa até que pudesse prosseguir, ela avançava... Motivo desse caminhar esdrúxulo é porque ela vinha de uma breve reunião, para a qual fora convocada. Se tratara de um particular assunto que por si só daria uma história, digna de ser contada em livros, mas que por hora ficará guardada.
       Uma virada de pescoço, uma passada de braço, um movimento firme com o segundo dedo, e por último, um empurrão sutil, porém preciso e firme… Pronto. Ali estava ela, no lado de dentro do portão cinza, com grades igualmente pintadas, da garagem que antepunha a escada (de espelho enorme, que levaria à loucura qualquer engenheiro civil ou arquiteto que pudesse ver), que dava acesso à república.
       Ela caminha em direção ao primeiro lance da escada, e antes que pudesse se utilizar dos músculos flexores e extensores de seus membros inferiores, para alcançar o primeiro degrau, ouve a voz que tomaria suas próximas horas, de uma forma bastante inesperada. “- Aháa! Eu estava plantada aqui só te esperando!”, foram as palavras proferidas com um tom de voz que poria medo em qualquer humano que se encontrasse em seu perfeito juízo.
       “- Entra aqui!”, foi a sentença que se seguiu… Ela se vira rapidamente, e com um meio sorriso nos lábios, pede licença e se adentra à lavanderia de sua senhoria, que com um semblante fúnebre, fixamente a olhava… Encostada na segunda cuba do tanque de mármore, que ficava mais distante da janela, junto à máquina de lavar, estava a distinta figura de cabelos brancos, com tinta louro dourado já há quase dois centímetros da raiz.
       Em sua frente, ligeiramente para o lado, estava a dona dos olhos castanhos, com a perna direita encostada em uma mesa antiga de madeira compensada, daquelas que é possível dobrar ao meio, apenas afastando as metades… Sua linguagem corporal quase gritava entregando seu desconforto e vontade de sair dali…
       “- Eu quero que você suba agora, junte suas coisas, e as coisas da outra (era a maneira que a senhoria tinha de se referir à inquilina que não se fazia presente no momento da referência) e vá para a rua. Quero vocês duas fora daqui, agora.”, foi a terceira fala da ilustre figura de semblante sombrio. Com um olhar calmo, e agora não mais lateralizada, a dona dos olhos castanhos, gentilmente olhava para a senhoria, esperando que alguma explicação viesse em seguida, justificando tal ordem. Nada… Houve por alguns segundos um silêncio atormentador.


       Não posso descrever o que se passava na mente borbulhante daquela figura ímpar, que já se encontrava imersa na terceira idade há tempo suficiente para ser íntima de tal contexto. Mas por traz dos olhos castanhos não passava nada além da expectativa intrigante de se tornar conhecedora de mais um episódio incomum daquela residência. Isso, e uma dose generosa de tranquilidade misturada com uma pitada de perplexidade e muitos gramas de comicidade, já que abordagens hostis e pequenos lapsos de conduta eram consideravelmente comuns sobre o terreno daquele imóvel, sendo inevitável, diversas vezes, a necessidade de se prender o riso por trás dos dentes, como quem segura um filhote saltitante para que não cause problemas.
       “- Certo… Pode me explicar o motivo, por favor?”, pergunta a dona dos olhos castanhos, com um tom de voz gentil e calmo, como sempre fora ao dirigir a palavra à sua senhoria. Quebrado o silêncio com tal indagação, não houve outro período insonoro até o desfecho deste episódio. Os minutos seguintes foram tomados por argumentos e acusações ditos enfaticamente, em alto e bom som, pela figura sombria. Dedo indicador apontado com firmeza, e cordas vocais afiadas foram os instrumentos usados pela distinta senhora, enquanto despejava como êmese, as palavras impensadas sobre os olhos castanhos, que permaneciam serenos, a olhar atentamente para a figura a gritar.
       Não cabe aqui expor, caro leitor, o que naquela hora fora dito, à plenos pulmões, mas garanto-lhe que se tratou de algo consideravelmente sério, o que já deve ter ficado claro desde a terceira fala daquela que residia na terceira idade. Entretanto alegro-me em dizer que o álibi, definido pelo dicionário como ‘defesa que o réu apresenta quando pretende provar que não poderia ter cometido o crime por, por exemplo, encontrar-se em um local diverso daquele em que o crime de que o acusam foi praticado’, ou simplesmente como ‘justificação ou escusa aceitável’, mas que eu prefiro chamar de ‘produtor de alívio indescritível’, foi usado naquela noite.
       A dona dos olhos castanhos se encontrava no momento do episódio que gerara o infortúnio, em uma conclave com um líder renomado e reconhecido por todos, inclusive pela senhora de raízes capilares brancas, que naquela noite se fizera acusadora, e “a outra” como gostava de chamar a senhoria, se encontrava fora da Ilha, com testemunhas suficientes para haver o ‘alívio indescritível’. Tal condição, que ouso crer ter sido provida de forma cuidadosa por Aquele que cuida de tudo, trouxe absolvição às rés, de modo que a expulsão sem precedentes, foi cancelada.
       O evento durou pouco mais de 10 horas, e depois se findou… Findou-se como finda tudo… Tal episódio tragicômico estava até hoje somente nas memórias dos protagonistas, pois era apenas mais um acontecimento… E agora, está também descrito em palavras, disponível para quem se puser a ler. Nada mudou depois disso… Embora talvez soe como algo bizarro (e de fato o é), para a dona dos olhos castanhos e sua colega de quarto, de cabelos dourados, tratava-se apenas de mais um episódio vivido, dentre incontáveis outros, mais cômicos e/ou mais trágicos, que já se discorreram nos últimos 4 anos de república.

       Era apenas mais um capítulo, do mais interessante e empolgante livro que há: o livro da realidade, das histórias não contadas que geram experiências pessoais únicas, e amadurecimento sem preço. Era apenas, mais um dia...

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Ao menos um sussurro

          Era noite, embora fosse horário de verão, a escuridão já havia tomado conta de toda a ilha. Com as gotas de chuva que caíam do céu, amenizando o calor cruel que fazia, vieram os pensamentos... Cada imagem a frente daqueles olhos castanhos trazia uma conexão com o que estava por vir.
          Era outro daqueles momentos em que ela se perguntava "céus, o que é que eu vim fazer aqui?". Se aproximava o momento de realizar o que para quase a totalidade da humanidade é algo corriqueiro e banal, mas para ela, consistia em uma das dificuldades que tem uma placa no hall das maiores e mais assustadoras que podem haver. O relógio seguia seu curso, o universo se movimentava, e a cada milímetro que a Terra se movia, faltava um pouco menos para a madrugada em que os mesmos olhos castanhos, com olhar perdido e distraído, se abririam para iniciar o trajeto. Se trata apenas do tempo passando, mas para ela, era como o gado na fila do matadouro, a contar os segundos para sua vez.
         Seus olhos percorriam cada metro ao redor, ela estava cercada de pessoas naquele momento, era uma grande reunião, mas ela estava sozinha. Não havia ninguém ali dentro, no meio de tantos humanos a interagir, que pudesse compreender ou compartilhar seu sutil, discreto e imperceptível desespero. Sim, estava sozinha, no meio de dezenas de pessoas.
          Ela  queria gritar, chutar alguma coisa, ou se jogar em umas das grandes poças formadas na rua pela chuva, até alguma coisa acontecer. O desejo preso em seu peito, era de um abraço, uma mão a tocar a sua, uma palavra, um sorriso, talvez apenas um sussurro, de alguém que não demonstrasse nada em seu semblante, mas baixinho, quase inaudível, dissesse "lhe compreendo". Desejo vão. Ninguém podia entender. Nenhuma mão se moveu, nenhum sorriso se formou, nenhum lábio se moveu para pronunciar as palavras. Ela estava sozinha.
          Como num lapso de consciência ela se levanta. No meio das pernas e braços a se moverem, está seus olhos castanhos fitando o chão em busca do espaço de maior facilidade para se ausentar daquele cenário... Então ela desce as escadas, ganha o corredor da saída, e corre para o grande portão cinza de ferro, da entrada principal, na ânsia de sair, e então pára. Estática ela observa as gotas caindo do céu, a molhar o gramado do campo em frente. Desiste. Em vez de por os passos apressados para fora, ela caminha até o banco de madeira ao lado, e se senta.
          Os minutos que se seguem são de um silêncio sepulcral, sombrio, gélido. O som permanecia, a interação na reunião do andar de cima continuava, mas naquele instante, o mundo próprio dela, parou. Nada se ouvia... Os pensamentos caminhavam de um lado para outro de sua mente, como formigas a caminhar após uma ameaça, desnorteados, sem rumo, mas sem nem um ruído sequer... Era um misto de total distração, com uma detalhada e impecável análise de possibilidades e estratégias, tudo voltado unanimemente para o momento que estava por vir. Nada soava, até que o silêncio absoluto se quebra por uma lágrima nada tímida, que rapidamente ganha olho, rosto, queixo... E por fim se lança no molho de chaves em suas mãos, momento no qual se anuncia o fim da reunião, e os pés apressados e felizes começam a descer as escadas, saltitantes. Ela desperta, e num ato de pura auto-proteção, sorri, e se despede...
          No caminho molhado, enquanto as gotas molham seu rosto, uma personagem ímpar lhe acompanha. Ele era alto, moreno, e tinha para ela o sorriso mais bonito do mundo. Era como um cais em meio à tempestade, na maior parte do tempo - embora naquele instante não possuía a capacidade que lhe era tão necessária, a saber, aquele sussurro acima descrito -. Eles caminham, e em um terço da distância, brecam. Ele chegou no lugar onde a veria pela última vez naquela noite. Ela olha para ele, em seu interior ainda havia a esperança de ouvir o sussurro, mas é vão. De fato o que ela vivia dentro de si, não podia mesmo ser compreendido, não era passível de explicação ou tão pouco podia ser compartilhado. Eles se despedem, e ela prossegue os dois terços restantes do caminho até sua última parada antes do momento que lhe causava tamanho desespero. A chuva cai...
          Não sou apta a dizer-lhe, caro leitor, o que ocorre depois disso. Escrevo agora em tempo real, e tanto quanto qualquer um que ler, nada conheço sobre o futuro próximo da dona dos olhos castanhos, entretanto compartilho com vocês seu último pensamento por mim observado... Entre as gotas de chuva a desfocar a visão, estava pairando uma certeza caótica, porém revigorante:

"Nada mais importa. Dentre tudo que vivi, e do que talvez ainda viva, nos instantes em que o mundo se torna um lugar insuportável à mim, não tenho ninguém senão aquele que permanece em todos os lugares, em todos os momentos. Não importa o que se passará, se voltarei ou se nem mesmo chegarei ao momento responsável por todo transtorno dos pensamentos, independente do resultado, o mundo permanece nas mãos de quem tudo vê, e se o mundo me contém, estou igualmente nas mãos dele, nada temerei.".

Susan Oliveira

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Uma carta ao "coração do Cérebro"...

Querido Sistema Límbico,


          Lhe escrevo com auxílio de todo meu encéfalo, cada neurônio se une para lhe escrever, com todo meu carinho e toda razão que pode haver em um ser.
          Eu sei que o que chamamos de 'últimos tempos' não lhe tem sido fáceis. Ninguém melhor do que eu, pode compreender a angústia que lhe é gerada por inúmeras e incessantes vezes, enquanto desesperado, você tenta manter o foco, ou ao menos tenta - e com muita perseverança, eu sei -, não permitir que o restante do sistema nervoso central, entre em colapso. Eu sei que você não gosta de muitas coisas, e peço desculpas por lhe fazer passar por elas, eu lhe pouparia, se fosse possível, de grande parte das circunstâncias e acontecimentos que lhe afligem, entretanto, tal beneficência está além de minha alçada. Lamento por isso.
          Existem muitas coisas das quais eu poderia falar-lhe hoje, mas escolhi uma que embora eu saiba que lhe faz chorar, e que por vezes você abstrai, fazendo de conta que é possível esquecer, ou simplesmente se abster de lidar, julgo ser importante, e então sigo esta carta como meio de lhe confortar, e fazer-lhe saber que estamos juntos nessa. Meu querido Sistema Límbico, somos um só, também sou parte disso, e cada sentimento que em você é produzido, reflete em minhas ações, em meu físico, e até mesmo no resultado do que me proponho e/ou preciso fazer. Leia com atenção, e guarde essas palavras para os próximos desafios...
          Hoje estive pensando, enquanto voltava do que poderia tranquilamente ser minha rotina de vida, sem que eu nunca me cansasse, e me deparei com suas produções a me afetar... Um pouco de medo, uma boa dose de desânimo, e aquele mar de incertezas que trazem um pouco de tristeza e a vontade de retroceder... Sabe, eu quero que você saiba, e que nunca se esqueça, que tudo isso vai passar.
          Estamos prestes a retornar para o lugar que lhe faz produzir tantas aversões, e quase me gera uma leve desidratação, pelas lágrimas que me implora verter. Eu compreendo o quanto lhe é ruim, mas eu quero que você procure olhar pelo lado bom... Sabe aquela velha história do "copo meio cheio", é sério, a gente precisa disso! Contando brevemente o tempo que nos resta no nosso tão querido e confortável lar, pego-me oprimida por suas produções catastróficas, e disto surge um grito desesperado, que sai bem lá de dentro, de onde ninguém pode entrar, e ecoa pelos labirintos que seus sulcos e giros formam, sabe o que ele diz? "Por favor, eu preciso que você suporte um pouco mais, eu prometo que vai passar, me ajude, só mais um pouco!".
          Querido Sistema Límbico, nós vamos conseguir! Eu lhe garanto que vamos passar por isso, e de alguma forma, valerá a pena, nem que seja só pelo gosto magnifico de poder dizer "ACABOU!". Eu tenho algumas sugestões, espero que consiga seguí-las, são de bastante eficácia... Bem, vou pontuar, para ficar mais fácil de gravar:
  • 1. Quando chegar a hora de ir, e sua súplica pelo acionamento da válvula de escape mais eficaz que já conhecemos, ocorrer, não se acanhe, eu vou ceder à sua vontade, e então nós vamos chorar juntos! Mas eu quero que em troca, você se esforce para manter a ordem, e não deixar que o caos se instale, mantenha o foco, e não se esqueça: Vai passar!
  • 2. Quando as lágrimas trouxerem para nós o sono, e então desligarmos um pouco, procure descansar, eu sei o que nos espera na outra ponta da rodovia, mas eu reforço: Vai passar!
  • 3. Quando os motores se desligarem, acenderem as luzes e alguém disser sutilmente, que alcançamos o destino, por favor, não se apavore. Permita-me respirar, e me ajude a manter o semblante e o pensamento em coisas boas, mesmo quando você produzir aquele "nó na garganta" que tanto nos acompanha naquele lugar, e lembre-se: Vai passar!
  • 4. Na hora de pegar as malas, é... Aquele momento único e terrível, que faz-nos lembrar que "já era", chegamos e agora estamos por conta própria num lugar estranho, me ajude! Não me faça chorar. Vamos caminhar juntos e seguros até o transporte, e sugiro fortemente não pensar que depois dali, estaremos de volta ao que sarcasticamente, nomeamos "casulo". Vamos pensar: Vai passar!
  • 5. Bem, quando chegar o primeiro dia útil da semana, e então começarmos a lutar para sobreviver à rotina, não se desespere, não desanime, não perca as forças!!! Eu lhe garanto: Vai passar!!!! Então me ajude a continuar, ainda que para isso você precise de um incentivo diário... Eu lhe dou!!! Eu posso fazer um calendário regressivo, eu posso me comprometer à lhe dar momentos alegres, pelo menos uma ou duas vezes por mês... Nós podemos negociar, mas por favor, não desista! Vai passar!!!

          Por último, querido Sistema Límbico, eu lhe convido a dar uma olhadinha para trás, e relembrar de tudo que já vivemos... Sabe, já passamos da metade!! Eu sou tão grata à você! Sempre que precisar, debruce-se sobre as memórias do passado, eu, ainda que inconscientemente, lhe dou a vantagem de não recordar das coisas ruins e desanimadoras, veja o privilégio!! Quando estiver relembrando, só haverão recordações edificantes, revigorantes... Então olhe!!! Olhe e siga em frente! Vai passar rápido, eu lhe garanto. Força, meu querido Sistema Límbico! Falta pouco!



Lembre-se dos dentes-de-leão, e imagine cada desafio como uma de suas sementes...
Estamos no fim, cada desafio vencido, é uma semente que se desprende e voa...
Elas caem em lugares distintos, e produzem os frutos que nós, pela incrível graça de Deus, ganhamos depois de cada esforço.
Em breve findaremos esta etapa! Vamos lá! Nós vamos conseguir!

Susan Oliveira

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Sobre dias perfeitos

         As gotas batiam contra o vidro frio da janela, formando uma melodia ímpar que se tornava música ao se juntar com o som das gotas, que violentamente se jogavam sobre o telhado, e ao daquelas que molhavam sem pudor a folhagem densa das árvores do jardim. O frio que dominava o exterior era intenso. Ali não haviam pássaros, não haviam pessoas, não havia nenhum som de vida além do barulho das águas que cobriam todo cenário, ofuscando a vista ao longe, e tornando tudo contrastado pelo dom irrefutável que a chuva tem, de tornar tudo mais bonito.


         O início daquela manhã era digno de ser comparado à noite, pois tal como nela, o sol não reinava absoluto no céu, antes, apenas alumiava a cena, acanhadamente, como o faz através da lua nas noites mais densas. As nuvens, pesadas e escuras, pareciam disputar lugar no céu, não havia nem sequer um espaço entre elas, preenchiam toda a extensão que lhes era permitido pela física, cedendo espaço apenas para as altas montanhas que se punham, exuberantemente, ao redor do cenário. Um ar de mistério e suspense, pairava sobre a cidade...
         O despertador toca. Aqueles olhos castanhos, que traziam atrás de si quase o mesmo mistério que jazia lá fora, se abrem. As mãos buscam o botão que anuncia o dever cumprido daquele que sutilmente (ou não), nos acorda sempre que necessário. Os braços lançam para os pés o edredom que cobria todo o corpo, e em uma questão de segundos, como num reflexo de defesa, apanha-o de volta, cobrindo com destreza o corpo recém descoberto; era o ar do quarto, que embora aquecido, estava frio. Ela cobriu sua cabeça, como uma tentativa de preparo, ou busca de coragem, virou-se para o lado da porta, tirou os pés da cama, colocando-os sobre as pantufas de pelúcia marrom que estavam ao lado, e ainda envolta no edredom, sorriu. Em sua mente havia a certeza de que aquele, era um daqueles dias... Perfeitos.


         Após o ritual humano de praxe, ela se assenta à mesa, calçando as botas pretas de couro enrugado, que estiveram esperando por ela durante todas as estações que precedem o digno inverno, um sobretudo rajado em cinza e grafite, e um cachecol com tons em degradê que terminavam num petróleo intenso e elegante. Era hora do café, o dia lá fora já começava expulsar com sutileza a escuridão causada pelas nuvens, quase pretas, que cobriam o céu.
         Em pouco tempo a escuridão do exterior se esvaiu, dando lugar à penumbra. Ah, sim... Aquela penumbra que torna os dias cinzentos, um pouco descoloridos, como que se tingisse a cidade de tons pastel, que se tornam um pouco mais intensos por terem sido banhados pela chuva, que embora neste momento já houvesse cessado, deixara seu rastro de umidade em cada canto desprotegido. Então, ela abre a porta grande, de madeira marfim, com o guarda chuva nas mãos, se dirige ao portão de ferro que dá acesso à rua, e sai... Desnecessário descrever o que havia naquela mente, entretanto, vou instigar seu intelecto, caro leitor, à imaginar o que a ocupava.
         Os lábios dela, bem vermelhos pela baixa temperatura, embora um pouco desajeitados pelo frio cortante que lhes tocava, sorriam. Os olhos, no meio daquela neblina que tornava a visão um pouco dificultada, brilhavam. Seus passos doces, e embora meigos, também firmes, caminhavam como que dançando, na direção que ela os dirigia. Suas mãos cobertas pela luva preta de camurça, seguravam o guarda-chuva firmemente, e o ar aquecido que lhe saía dos pulmões na expiração, gerando aquela aparência de fumaça a nos sair da boca, a deixavam sobremodo empolgada. Bem, deixarei-lhe ainda, caro leitor, a dica final, para completar a façanha que sua imaginação é capaz de realizar... Ela amava o inverno, bem mais que as outras estações.


         Do dia que se seguiu àquela manhã, não relatarei nada. Manterei intacta a privacidade daquela figura, dona do olhar misterioso, que ao sair de casa deixou apenas o rastro de seu perfume amadeirado, que já se misturava ao aroma de 'mundo molhado' que inundava a cidade, e a certeza de sua presença, pelo som do salto da bota que a calçava, que gradativamente ia se distanciando, até que seu som não podia mais ser ouvido, e pelo espectro dela, que já se dissolvia na neblina distante. Deste instante em diante, cabe à cada um que lê, imaginar o desfecho do dia.


Susan Oliveira.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Aquele dia

          Era o fim da tarde de uma quarta-feira, dia comum. Não havia na agenda nada de especial marcado, eu não possuía em minha mente planos animadores, nem tão pouco a pretensão de fazer qualquer coisa que fosse julgar como divertido ou entusiasmante.
          O dia estava cinzento, era o típico dia em que meu interior se inclina à sentir aquela sensação característica de... Bem, deixemos-a em secreto. Já tenho há muito, entranhado em meu ser, bem lá dentro, uma irremediável queda por entardeceres, mas apenas, e digo ainda com letras destacadas, unicamente, os que posso observar sozinha, de uma janela ou varanda qualquer, sem que a correria do dia me atinja - sim, porque os entardeceres que presencio da janela de uma condução pública, sobre trilhos ou rodas, ou mesmo de um local cheio de humanos a andar com pressa aos seus destinos, estes em muito, me desagradam - e naquele dia, no meio da turbulenta semana de final de período, eu pude ter novamente a graça de me encontrar no cenário perfeito para tal.


          Estava eu, mais uma vez, porém de forma singular, diante daquela janela... O cheiro do exterior já me era familiar, havia chovido nos últimos três dias, ininterruptamente, fazendo com que a fragrância dos troncos e folhas molhadas, que em muito me agradam, ficasse já entranhada em minhas narinas, entretanto isso não impediu que o abrir da janela, embaçada pela diferença de temperatura existente entre o lado de dentro e o de fora, trouxesse a melhor sensação que pode haver, em dias como aquele. A brisa gelada entrando, o cheiro invadindo o interior da casa, e o ruído da chuva, tão doce e melódico aos ouvidos, antes impedido de adentrar pela vedação da janela, soando como música em meus ouvidos...


          Eu contemplava ao olhar para fora, todo o tom cinzento, e as cores da natureza mais contrastadas, pelo tom escurecido que o estar molhado traz às coisas, lentamente, como que em mágica, se transformarem em um quadro pintado em sépia. Os raios do sol, ocultados à dias pelas densas nuvens carregadas que cobriam toda extensão do céu, pareciam lutar contra a parede cinza que os ofuscava, trazendo aquela iluminação discretamente alaranjada, que só os entardeceres conseguem criar. Detive-me a observar o cenário que me contemplava, pelos minutos que me foram concedidos, antes que o sol fosse sutilmente se escondendo atrás da montanha distante, que havia à frente. Tão logo se retiraram os raios de luz, o cenário se transformou novamente em um mar cinzento, que gradativamente ia se escurecendo, até que não mais podia ver as montanhas distantes... Anoiteceu.


          Retirei meu olhar daquela janela, e respirei, com uma profundidade incomum, como para auxiliar os sentimentos que pairavam sobre mim, a se assentarem no interior, já que cada um deles, individualmente, eram bem vindos. Voltei-me para os papéis sobre a mesa, grata pelo concedimento à mim entregue, de vivenciar o que de mais simples há, mas que carrega aderido à sua simplicidade, a capacidade incrível, de trazer-me tais sentimentos. Naquele momento eu sorri, juntei os papéis sobre a mesa, tomei em minhas mãos o lápis, e pus-me a escrever... O que naqueles papéis ficaram gravados à próprio punho, é oculto, ninguém conhece além de mim...

Porque determinadas coisas, mantenho apenas comigo, onde é seguro e tranquilo,
não porque se trate de um segredo mortal, mas puramente porque o que há dentro de mim,
não cabe dentro de mais ninguém... É só meu!

-Susan Oliveira'

segunda-feira, 3 de março de 2014

Um 'ele' na multidão

        Aquela mania de fazer perguntas, que à determinados tipos de temperamento, simplesmente não têm resposta. Aquele ar de serenidade, que remete à uma vida perfeita, daquelas que não há possibilidade de encontrar algo complicado ou desagradável. Aquele tom de voz que não se altera, tornando as conversas por telefone, em meio à turbulência do dia, impossíveis. Aquela estranha vontade de fazer-me feliz, que à mim não é muito fácil de compreender de onde vem e porque permanece, mas as pessoas dotadas de emoção afirmam que vem daquele sentimento antigo, assustador e um tanto sem sentido, que a humanidade nomeou de  'amor' e os traços culturais antigos especificam como 'eros'. Aquela intrigante tenacidade em determinadas coisas, como tentar arrancar sorrisos de quem está à quilômetros de distância...
         Ele era romântico, daquele tipo que transmite essa característica no andar, no falar, e até mesmo no vestir... Sim, aquelas figuras que a gente pensa que não existe mais, mas que vez ou outra encontramos por aí.
        Ele era perseverante e persistente. Aquele tipo de pessoa que costuma nos vencer pelo cansaço. O tipo convicto, que embora beirasse sempre à insegurança, permanecia ali, apresentando suas propostas e garantindo a certeza do sucesso.
        Ele era paciente, capaz de passar por minhas crises existenciais sorrindo, embora eu não conheça como esteve seu interior nestes momentos, ele permanecia ali, no mesmo lugar, como se nada houvesse ocorrido. Possuía uma habilidade de viver focado em algo miraculoso sem mudar de ideia, ou ao menos sabia bem como disfarçar os momentos de oscilação de pensamentos.
        Ele era atencioso, tanto que chegava a causar certa pressão sobre minha vida, mas isso não era ruim. Era o modo que ele encontrara de tentar cuidar à distância, o que é admirável, pois ao meu olhar racional isso é impossível (isso me lembra outra característica dele: a mania de querer fazer coisas impossíveis).
        Ele conseguia fazer o que quase ninguém na Terra é capaz de fazer: alterar meu humor. Tinha a capacidade de me deixar sem graça, nervosa, e por vezes, apavorada, de me fazer sorrir, e também chorar, e acredite, todos esses sentimentos causados, no final, eram bons. Me fazia inclinar os neurônios à analisarem coisas que dantes nem sequer passavam por minha mente.
        Ele propunha a mais absurda de todas as coisas. Passava os dias a tentar convencer-me de que coisas como deixar de ser dono do seu próprio corpo, abandonar suas vontades por uma vontade alheia, viver em prol de outrem e não mais de si mesmo, abdicar de toda privacidade e liberdade que tanto lutamos para conquistar, assinar uma sentença de responsabilidade triplicada, mergulhar num universo de horários à serem cumpridos e rotina à ser moldada para duas vidas distintas, entre outras coisas que me são completamente surreais, era uma boa ideia. Sim... Ele propunha o casamento. Aquela instituição sinistra, à qual a humanidade parece ser tendida à inclinar-se.


        Em síntese, ele era singular. Conseguia fazer-me sentir segurança, até nos momentos em que estava apavorada, mesmo distante. Conseguia fazer-me hesitar entre minhas certezas, e estava sempre a destruir os planos que eu um dia fizera, apenas porque em sua concepção, a vida à dois é melhor. Conseguia me deixar feliz com coisas escritas, ligações e presentes na caixa postal. Ele era aquele que surgiu, como quem vem ao mundo para uma missão específica, determinado à quebrar minhas razões, frustar minhas certezas, e desfazer meus planos! Mas, calma... Ele quebrava as razões, apenas para colocar um pouco de emoção entre elas. Ele frustrava minhas certezas, apenas porque gradativamente me provava que era possível a felicidade e vida em outros contextos, e não unicamente o meu. Ele desfazia meus planos, para construir novos, com mais audácia e bem mais complicação, mas com mais vida, calor e sentimento.
        Ele bagunçava minha vida, e movimentava minha base de ideais, me levava para mais perto de Deus, e me fazia conhecer outros lugares, para fora daquele muro racional que criei ao meu redor. Ele era assim... Simplesmente ele... Um 'ele' na multidão, que se diferenciava pela influência que exercia sobre minha vida.



"Por hoje permanece o que a razão permite palpar...
O amanhã guarda a possibilidade de manter permanente o que o coração consegue sentir."


Susan Oliveira