sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Enlace...


       As folhas caíam... O outono deixava a paisagem em tom pastel, agradável aos olhos, e tentador aos pensamentos, que em parceria com o coração, tornava impossível que a conexão entre eles fosse rompida, por um segundo sequer... A ponte que ligava os dois lados do parque, era o arco do amor eterno... O canto dos pássaros faziam do cenário, o lugar perfeito para um romance clássico... O lago, sereno e exuberante, sustentava em sua superfície o casal mais apaixonado da cidade.
       Podiam haver pessoas ao redor deles, mas nenhuma conversa, nenhuma risada infantil, nem mesmo um grito de alguém que almeja chamar a atenção de quem está do outro lado, tinha a capacidade de fazer com que os olhares deles se desentrelaçassem.... Tudo era mágico, perfeito como um sorriso sincero, como a água fresca que desce a garganta num momento sedento, como o receber de um presente muito esperado e especial, como aquele abraço dado na hora certa, por quem mais lhe agrada.... Ambos desfrutavam de um momento eterno... Nada mais importava, simplesmente,  porque eles tinham um ao outro...
       Ali naquele cenário de tirar o fôlego, estavam duas almas fundidas... Os corpos já não eram mais dois, e sim um, uma só carne, um só coração... Sobre o barco de passeio, estava a gravata e a grinalda, o terno escuro, em contraste com o belo vestido branco, de vez em quando, mesmo possuindo duas cores tão distintas, se tornavam mesclados, talvez porque havia ao redor deles, uma certa neblina de felicidade, algo os envolvia, era colorido, era agradável de se olhar, tinha a cor do amor...
       Instantes antes de estarem ali, sobre aquele lago espelhado, estavam ambos sob o teto de uma igreja, recebendo a benção final, e selando para todo o sempre, aquela aliança de amor... Momentos antes, ambos se misturavam, deixavam de ser corpos separados e distintos, e assumiam o papel de viver um pelo outro. Sim... Era o maior dos acontecimentos, o presente que Deus deu para aqueles que tem a audácia de lutar por um sentimento compartilhado e maior... O casamento.
       O que meus olhos, impressionados, podiam ver, era apenas um passeio, apenas o cenário que eles escolheram para eternizar o dia, em fotografias... Aquele acontecimento abrangia muito mais do que um instante de felicidade à dois... Ali começava uma nova etapa, um novo tempo. Ali se concretizava o início de uma vida compartilhada, cedida, doada, entregue... O que haveria pela frente, eu não sei, e o mais impressionante, é que ninguém sabe... Mas o que importa é que agora eles estavam juntos, eram um só, agora eles formavam um cordão de 3 dobras, que não se rompe facilmente...



Susan Oliveira

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A cena...


       Bolsa largada sobre o sofá... Echarpe deixada no corrimão da escada que leva aos quartos... No corredor, o par de sandálias deixadas paralelamente ao tapete de camurça... A porta do quarto, deixada aberta, permitia-me ver a cena triste que ali dentro havia...
       Os cabelos, antes perfeitamente arrumados e escovados, estavam agora despenteados e presos por um elástico desleixadamente colocado, num momento de extrema intensidade emocional... Os pés já estavam descalços...  A maquiagem, antes tão precisa e caprichada, estava agora desfeita pelas lágrimas incessantes... O vestido fino, delicadamente bordado por mãos talentosas, agora estava amassado e molhado pelas lágrimas que não morreram na boca, antes desenhada pelo batom mais caro do último lançamento... As jóias ainda lhe enfeitavam o corpo, fazendo seu rosto, avermelhado e manchado, parecer mais carente, tornando seu colo, em movimento, aos soluços, um pouco mais corado, a pulseira e o anel, colaboravam para que a cena vista se tornasse ainda mais digna de compaixão... Ela era culta, bonita, doce, meiga, e esbanjava delicadeza, mesmo em meio as lágrimas...
       A chave estava jogada sobre a mesa de estudos, colocada com muita cautela ao pé da cama. As flores ainda estavam na água, elas eram a única beleza viva daquele cômodo, que não estava a afogar-se em lágrimas. Os retratos, bem distribuídos pela mesa, tornavam o lugar ainda mais aconchegante e convidativo à apreciação...
       Sentada em uma poltrona que ficava ao lado da cama, estava a protagonista da cena mais triste. Ela não se movia, estava inerte, como se tivesse sido colocada ali em um momento de profunda exaustão, por alguém que a amava o suficiente para dar a vida em nome de sua felicidade, só para poder vê-la sorrir.
       Abraçada junto a almofada, adormecera ela... Ali estava quem acabara de perder um pedaço grande de sua vida... O silêncio que reinava sobre a casa era tão absoluto, quem nem o vento se ousou a mover as cortinas de seda que ali estavam... Era como se o universo todo tivesse parado, num ato digno de admiração, em respeito ao sufocante sentimento que dominava aquele lugar...
       Aprisionada em um corpo exausto e desiludido, estava uma alma viva e um espírito forte. Dentro daquele corpo, alguém cheio de sentimentos e vontades, gritava por socorro... Aquele rosto manso e de uma delicadeza ímpar, carregava um sentimento maior que o mundo, e trazia consigo os melhores sentimentos já experimentados pela humanidade... O que eu podia ver, era a embalagem daquela alma...


       Neste momento, a visão me foi ofuscada... Eu não mais podia ver com clareza o quarto, nem a doce criatura que ali estava, envolta em lágrimas. Então eu olhei para casa, e dela podia ver seu telhado, que também ia se afastando, lentamente, até que eu pudesse ver todo o bairro, onde estava aquela casa, com aquele quarto... Em pouco tempo pude ver toda a cidade, não era tão grande, mas me fizera saber de algo  inesquecível. A cena que me cortara o coração era minha. Aquela 'doce criatura', era eu. E como ela, naquela mesma noite, se encontravam outras tantas pessoas em situações semelhantes, piores, e algumas até menos intensas, mas que para aqueles que sentiam, era igualmente dilacerador...
       Entendi, naquele momento, que das dores e sofrimentos da vida, nem eu, nem ninguém que esteja usufruindo do privilégio de estar vivo, estará livre. Entendi, que cenas como essa sempre existirão, em todo lugar, com todo o tipo de indivíduo...
       Embasbacada, mediante tal cena, eu concluí que a vida era feita de pedaços, desde os insuportavelmente tristes e dolorosos, até aqueles em que falta-nos o fôlego de tanta felicidade e euforia. Entendi que esses pedaços são como peças de um quebra cabeça, de tal modo que não podemos deixar nenhum deles de fora, é indispensável sentir a dor que esmiúça o coração, da mesma maneira que é indispensável sentir o peito estufado de prazer e satisfação...

"A dor é um presente, que nos foi dado com o intuito de fazer-nos fortes e gratos. Se não existissem os momentos difíceis,
qual seria o valor dos agradáveis?"


Susan Oliveira

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Ela...


       Agora ela está parada, estagnada, estática, tão imóvel quanto o mais puro diamante, em toda sua dureza e resistência, como o mais antigo e extenso monte...
       Vê-se diante do findar do outono... Tudo o que ela tem agora, assim como as folhas, estão se desprendendo e sendo levadas pelo vento. Não há o que se possa fazer, o outono chega ao fim, e todas as folhas se vão, tudo que ela tem se vai...
       Está como diante de um penhasco, bem à beira, tendo a oportunidade de voltar para trás e permanecer com toda a estabilidade, segurança e felicidade que possui, ou num impulso único, se lançar à queda, deixar tudo ali em cima, e se entregar à desconhecida e, um tanto assustadora, oportunidade...
       De tudo que um dia ela pode desejar, isso sem dúvidas foi o que a tomou mais tempo, o que mais a levou ao crescimento, em todos os âmbitos, em todas as áreas, e o que mais a cobrou decisões, não se importando com a estrutura que ela possuía, ou com o que teria de abrir mão...
       O momento que ela deixaria de viver se fosse possível, chegou, e como um golpe muito bem aplicado, em uma luta entre lâminas cortantes de espadas, o qual encerra a batalha num milésimo de segundo que mal se pode perceber, assim à toma este acontecimento...
       É outra etapa, que talvez ela nem viva, por preferir não saltar... Ou talvez ela viva, passe, e ao chegar ao fim, finalmente diga: Valeu a pena!
       É uma oportunidade ímpar, concedida por Deus, em sua infinita misericórdia...
...
       Agora ela está parada, o silêncio sepulcral que a envolve é intenso, as batidas descompassadas e aceleradas de seu coração quebram a quietude que domina. A respiração é ofegante e trabalhosa, como se fosse necessário à ela, rasgar as paredes do sistema respiratório, a cada inspiração, para que lhe pudesse entrar um pouco de oxigênio. Não há espaço para pensamentos, o sentimento, indecifrável e inexplicável com nossas vãs palavras, ocupa todo o seu ser.
       A maior porta de sua vida, acabara de ser aberta, e as outras portas menores, foram definitivamente fechadas, exceto a de trás, que ainda à convida a voltar, e permanecer da mesma maneira. Decisão morbidamente difícil.
       A madrugada, cruel inimiga, a deixa sozinha, sem a possibilidade de recorrer à quem ela ama, sem o conforto de um abraço humano, e sem a chance de expor o sentimento que esmiúça seu peito à alguém que faça parte de sua vida. Ela converte em lágrimas toda a dor eufórica, de ter nas mãos o desejo realizado, com um grande preço a pagar...
       Tente imaginar-se no lugar dela, agora... Segure com força o que mais lhe agrada e mais lhe trás felicidade, abrace isso, sinta isso, ainda que seja algo abstrato e impalpável, tenha-o em suas mãos por um instante, use seu coração para torná-lo passível de ser tocado e sentido intensamente... Agora, ainda com isso em mente, imagine seu maior sonho, algo que além de necessário, seja uma grande vontade, um desejo imenso de seu ser, algo pelo qual esperou anos a fio, e lutou muito para conseguir... Feito? Imagine-se agora a ter as duas coisas nas mãos, e ter que escolher entre elas... Difícil, demais.
       Entre soluços e lágrimas, e a alegria imensa da conquista, ela deixa o jardim escuro e frio, e já um pouco molhado pelo orvalho, e se dirige ao seu leito, a esperança é a de sempre... Que ao despertar, tudo seja melhor. É fato comprovado, que quando acordamos, tudo sempre parece menor, menos dolorido, menos difícil, a dor do momento é sempre maior.
...
       Ela sabe que este é apenas o fim do outono, e que logo logo virá o inverno, a primavera, o verão, e o ciclo natural prosseguirá como sempre... Ela sabe que o valor da conquista supera pequenas dificuldades... Ela tem consciência de tudo que vai perder, e de tudo que vai ganhar com isso... Mas o que mais importa, é que ela sabe que Deus estará com ela, onde quer que ela coloque a planta dos pés, e que não importa o lugar em que ela resida, ou o tipo de rotina que terá que aderir, o Espírito Santo sempre a acompanhará, e no fundo, a comunhão e a presença Dele, é a única coisa que importa.
       É com essa certeza em mente, que vejo-a deixando o jardim, e subindo os degraus da varanda... Ela não olhou pra trás, mas antes de entrar, levantou seus olhos em direção à Lua, que estava ao lado direito, e sorriu, enquanto a última lágrima rolava pelas maçãs de seu rosto. Ela voltou os olhos para a frente, abriu a porta, e entrou. A partir dali, começava um novo tempo em sua vida...

Susan Oliveira