quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Adiante

          Já estava tarde, a pilha de livros sobre a mesa tabaco, ao canto do apartamento indicava que ainda havia muito trabalho pela frente. Ela ainda não conseguira a concentração necessária para esquivar seu olhar dos raios de luz que penetravam pela persiana, semi fechada, da janela do quarto.
          Os raios de luz, vindos do poste que alumiava a rua molhada pela chuva incessante que caíra na cidade desde o anoitecer, adentravam sem convite ao quarto em penumbra, onde só se podia ouvir o som da chuva, que lá fora quebrava o silêncio da madrugada, misturado ao som do ventilador de teto, que tinha seu barulho característico, como se quisesse a todo instante mostrar que estava ali, pronto para ventilar as noites quentes e úmidas da cidade.
          Era um cenário típico de dia de semana tumultuada em final de ano... A chuva que não cessa, uma clássica pilha de livros que nada sutilmente à convida a voltar aos estudos sem deixar que o mundo ao redor a disperse, os raios de luz desenhando traços finos na parede lateral do quarto, ao lado da mesa de estudos, e ela, a peça fundamental da cena...


          O quarto era grande, entretanto, os pensamentos em sua mente eram tantos, que ousaria dizer que ali dentro nem mais uma pena caberia. Era o final, aquele momento em que temos a mania de ficar ansiosos, por vezes temerosos pelo há de ocorrer, e ainda que no fundo ela soubesse que todas as coisas já estavam sob controle, e que ela precisava apenas fazer sua parte, também continha consigo todo conjunto dessa mania que a reta final costuma trazer.
          Ela estava distante... O olhar fixo na janela, parcialmente coberta pela persiana, a levara à uma dimensão de memórias e pensamentos. Naquele instante em que capturei a cena que narro, ela estava a recordar-se do momento em que começara a sentir-se em outra dimensão. Era uma sensação boa, uma euforia modesta, daquela que nos apanha quando estamos prestes a fazer uma grande viagem, ou uma mudança para uma casa melhor... Em meio as constatações de sua mente, que vagava pelos neurônios em busca de memórias, de forma involuntária, ela percebeu, naquele momento, que a possibilidade de que aquela sensação não a deixasse mais era de uma proporção colossal...


          Ela sabia que de alguma forma as coisas não voltariam a ser iguais, e talvez a sensação de estar em outra dimensão apenas traduzisse a mudança brusca no trajeto de sua vida. Ninguém conhecia o que se passava com ela, de suas decisões e vivências, ninguém tinha ciência, tudo isso estava guardado ali, onde ninguém pode entrar. 
          Foi nesse instante em que um animal noturno, desses que ouvimos e ficamos dentro de nossos aposentos, a questionar-nos que criatura seria a responsável por tal ruído que ouvimos, que ela despertou de sua inércia. Tal como um estalo à despertar o hipnotizado foi o ruído que pairou, fazendo-a voltar os olhos para a porta, desconstruindo a linha de raciocínio formada ao longos dos minutos, que pareciam horas, em que esteve de frente para a janela.
          Essa pequena, porém definitiva, pausa que lhe ocorreu, foi o bastante para que se formasse uma conclusão inquietante: As coisas haviam mudado, e não importava mais o que se fizesse, não era possível tornar atrás, simplesmente porque o caminho percorrido por nós ao longo da vida, não fica igual a cada passo que damos, ele se transforma de modo tal, que se caminharmos, ainda que apenas um quarto de milha à frente, e imediatamente em seguida voltarmos, não encontraremos o mesmo caminho, mas sim um caminho transformado, influenciado, modificado. Com tal constatação ela tornou à si, sorrindo, carregando a certeza imutável de que havia escolhido o melhor caminho, ainda que parecesse loucura ter dado lugar à subjetividade, pondo um pouco de lado a racionalidade, estava claro que era a melhor decisão. Isso lhe dava a garantia de que não viria a desejar retroceder, pelo simples e fundamental motivo de que o que havia adiante era melhor, novo, e perfeitamente imperfeito, como todas as coisas que realmente valem a pena na vida.



"É como estar inserido em um outro contexto, embora tudo permaneça da mesma maneira.
Aqui dentro algo muda, o sentimento não é mais igual.
É como se a todo instante algo incrível estivesse para acontecer..."


Susan Oliveira