quarta-feira, 31 de outubro de 2012


As curvas

       Tal como o bater das asas de uma borboleta, era o silêncio que pairava em seu coração... Sepulcral, inquebrável, a não ser pelo som de uma ou outra lágrima que corria pela face estarrecida, e ao chegar ao chão, parecia liberar as palavras que a boca não conseguia dizer.
       Estava muito quente, o verão se aproximara e com ele a temperatura típica daquele lugar beira mar... Após brigar incessantemente contra os músculos, que insistiam em permanecer estirados sobre a cama, e contra os olhos que suplicavam pelo abaixamento das pálpebras, levantou, abriu as torneiras da banheira e começou a organizar o que precisaria mais tarde, entre algumas lágrimas que rolavam sem permissão, e alguns sorrisos, formados forçadamente com a intenção de amenizar a circunstância...
       Seguindo todas as tarefas realizadas, abriu a janela, não estava ventando, não havia uma brisa que amenizasse o calor, mas não importava, a alma estava falando tão alto que não sobrara percepção para o meio exterior... Abaixou a persiana, destrancou a porta, e deixou o aposento.
       Enquanto descia as escadas e atravessava o comprido corredor de mármore, em direção à saída, os pensamentos e lembranças invadiam a mente, deixando inquieto o coração... Seguiu, como se ignorasse o interior em crise, precisava jantar, não havia tempo para dar trela ao coração.
       Era sexta feira, havia festas e reuniões por toda parte, as pessoas se interagiam e confraternizavam, aquelas que não tinham o que comemorar, celebravam apenas a vida, cada um do seu jeito, mas havia um par de pés, que caminhava por entre todo o burburinho sem se influenciar, tinha o pensamento distante e o olhar perdido.
       Foi, fez o que tinha de fazer, e voltou, em um curto período de tempo, mas tempo suficiente para que o sol se despedisse, e lua com seus luminares inseparáveis saudassem o início de uma noite límpida... Retornou pelo mesmo caminho, passou pelo mesmo corredor, e subiu os mesmos degraus. Lá em cima já estava bastante escuro, mas não acendeu as luzes, característica típica desse estado interior, como se manter as luzes apagadas fizesse com que as coisas ficassem menos nítidas, já que a realidade era pouco suportável, e naquele momento, trazia desconforto demasiado ao coração.
       Entrou, andou em direção à sacada, de onde podia avistar uma das 7 maravilhas do mundo, e parou. Seus olhos não se voltaram à paisagem cobiçada que se encontrava mais adiante, mas sim, ao conjunto de troncos e galhos de uma árvore sem folhas que estava mais a direita. As curvas formadas pelas estruturas grandes e desformes daquele árvore, prenderam sua atenção por alguns instantes. Pode perceber que cada curva que o tronco dava, era consequência de um desvio que ele precisara fazer, se adaptando ao espaço livre que lhe fora oferecido para se desenvolver.


       Naquele momento, como se cada uma das curvas tivessem a capacidade de se comunicar, pode entender claramente, que tal como os galhos e tronco da árvore, precisava também fazer curvas, realizar desvios, fossem eles pequenos ou grandes, pois eram fundamentais para a sobrevivência, e o desenvolvimento naquele meio, naquela circunstância.
       As curvas eram uma lição de adaptação. Antes de estarem ali imóveis e imodificáveis, passaram por várias etapas, e necessitaram de tempo e persistência, para deixarem de ser uma semente, um pequeno arvoredo, para serem agora uma estrutura enorme e exuberante, forte e robusta. Entendeu, que tal como a árvore, e tudo na vida, havia mudança, adaptação, persistência, antes de haver estabilidade, e cumprimento de metas.
       Imaginou, naquele momento, viver dali em diante se lembrando das curvas que os enormes troncos faziam, tornando-as um exemplo de que é possível crescer, se fortalecer, e conquistar estrutura tal que suporte as maiores tempestades, os dias mais quentes, bem como os mais frios, permanecendo de pé, forte, e resistente. Com um sorriso, afastou-se da sacada, ascendeu as luzes, abriu a porta, e entrou... Era hora da vida seguir.



Susan Oliveira

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Quando abri os olhos

       Os dias passavam, as horas, os segundos, e em todo o mundo a vida seguia seu curso. Em meio as rotinas que se prendiam a mim de forma cruel, me entretendo e obrigando-me a estar com ela, notei espectros de saudade, que vinham envoltos em uma terrível não aceitação. Algo dentro de mim, escondido, sufocado pela razão e pelo alvo maior, começara a se mostrar.
       Até aquele presente momento, carregava comigo a certeza de que minha vida era lá, e que tudo que eu precisava permanecia lá, intacto, eu tinha um refúgio, um lugar para onde correr quando as coisas deixavam de ser aturáveis... O que eu não tinha levado em conta, é que as as mesmas forças que atuavam sobre mim aqui, também atuavam ali, e da mesma forma que ventos alteravam cenários aqui, também alteravam ali... Ao me dar conta disso, pude concluir com clareza que a vida segue, independente do que aconteça, e assim, mesmo querendo que não, os grupos mudam, as histórias se modificam, e chega o momento em que as raras e breves visitas já não são mais suficientes, porque eu simplesmente já não caibo mais ali. Não porque as pessoas deixaram de me amar, ou os amigos se afastaram, mas porque eu não mais acompanho as mudanças.


       Foi quando abri os olhos, e entendi que meu coração precisava ficar onde eu estava, e que era humanamente insuportável mantê-lo ali. Então fechei os olhos mais uma vez, para tentar aceitar o fato de que a vida mudara, e eu precisava seguir. Fechei os olhos, porque não cabia dentro mim este fato, ainda não havia em mim estrutura para aceitar que eu estava deslocada no mundo, pois já não me encaixava ali, nem tão pouco estava inserida aqui. Fora fácil, embora tenha demorado, entender que eu precisava recomeçar do zero, difícil era fazê-lo...


Susan Olveira