quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Antes do próximo outono


         Era um dia habitual, no início da primavera... As malas estavam semi prontas, como em todas as vésperas de viagem. A madrugada estava fria, ventava copiosamente, como sempre ocorrera naquela região, na época pós inverno, e não havia ninguém por perto. Era um dia típico de final de férias, quando o cérebro começa sua incessante batalha para convencer o organismo de que a rotina bate à porta, e não é possível fazê-la ir embora, tendo como única opção, acata-la. Tudo estava em perfeita ordem. Os sentimentos devidamente guardados, as esperanças checadas e separadas em cabíveis ou irracionais, as metas sendo reorganizadas em tópicos de decrescente prioridade, e a certeza de que tudo estava sob controle, sendo reerguida em um pedestal de ouro, na estante dos troféus adquiridos. Tudo estava aquietado e submisso. Bem, na verdade, isso era o que ela pensava. Reinava, contudo, um fato que não havia, ainda, sido considerado: ele voltara...
         Quisera ela ter o dom de extasiar-se para o local exato de sua presença... O coração palpitava, quase a vomitar em gritos o desejo árduo de um encontro, a respiração tornava-se ofegante, ainda que fosse por ela, realizado um intenso esforço para manter as aparências. Não adiantava mais nada. Tudo era vão. Ele estava de volta, às portas do coração.
         Poderia focar-me em explanar todo o complexo contexto explicativo do porque ele estivera, por tanto tempo, distante, entretanto, contenho-me a contemplar panoramicamente, o rebuliço interior daquele coração novamente arrebatado... 
         Como uma erva daninha, ouso dizer, que não é contida por uma poda radical, mas antes, só é vencida ao ter as mais profundas raízes arrancadas por completo, ele brotara, novamente, ali dentro do local mais vigiado, e por ela guardado à sete chaves.
         A figura deslumbrante de sua imagem, eternizada no sub-consciente, ressurgira como mágica. O mesmo olhar, profundo e penetrante, que carregava o mundo em um piscar, olhava fixamente para dentro dos olhos dela, que inerte, apenas o vislumbrava. Ele não estava de pé em sua frente, nem tão pouco se encontrava, ao menos próximo, mas era possível sentir sua respiração, ali bem pertinho, e a sensação era tal, como se dali do lado, ele nunca houvesse saído, ainda que na verdade, ele nunca tenha, sequer, chegado.
         Ela tocou em suas mãos, os dedos se entrelaçaram, e então, por uma eternidade contida em um segundo, o mundo parou. Parou e se inclinou na direção da cena mais bela, como se o universo tivesse conspirado para tal momento por séculos, e por sua concretização, o oxigênio se fizera ausente, o vento se recolhera, e as águas se contivessem. Nada se movia, nada ruía, nada se enchia de afoiteza, ao ponto de sequer respirar... Ela tocou em suas mãos, no entanto, é claro, nada era fidedigno, imagine você, o que teria ocorrido se tal evento fosse real... Talvez o mundo não suportasse tal junção, ruindo suas estruturas inabaláveis e sucumbindo-se...
         Ocorrera naquele instante o impossível, se consumara um fato abstrato, uma realidade impalpável, uma evidência improvável. Foram juntados dois corações, foram entrelaçadas duas almas, de tal força fora a união, que não dependera de um encontro real, não fora necessárias testemunhas, e não havia carência de nexo. Este foi o minuto, no qual ela, pela primeira vez em sua existência, declarou convicta, no secreto de seu íntimo, que iria encontrá-lo, antes do próximo outono...



"Ainda antes que caia a primeira folha, estarei diante de ti. Adorna-te pois, de amor veemente."

Susan Oliveira

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