quarta-feira, 28 de maio de 2014

Aquele dia

          Era o fim da tarde de uma quarta-feira, dia comum. Não havia na agenda nada de especial marcado, eu não possuía em minha mente planos animadores, nem tão pouco a pretensão de fazer qualquer coisa que fosse julgar como divertido ou entusiasmante.
          O dia estava cinzento, era o típico dia em que meu interior se inclina à sentir aquela sensação característica de... Bem, deixemos-a em secreto. Já tenho há muito, entranhado em meu ser, bem lá dentro, uma irremediável queda por entardeceres, mas apenas, e digo ainda com letras destacadas, unicamente, os que posso observar sozinha, de uma janela ou varanda qualquer, sem que a correria do dia me atinja - sim, porque os entardeceres que presencio da janela de uma condução pública, sobre trilhos ou rodas, ou mesmo de um local cheio de humanos a andar com pressa aos seus destinos, estes em muito, me desagradam - e naquele dia, no meio da turbulenta semana de final de período, eu pude ter novamente a graça de me encontrar no cenário perfeito para tal.


          Estava eu, mais uma vez, porém de forma singular, diante daquela janela... O cheiro do exterior já me era familiar, havia chovido nos últimos três dias, ininterruptamente, fazendo com que a fragrância dos troncos e folhas molhadas, que em muito me agradam, ficasse já entranhada em minhas narinas, entretanto isso não impediu que o abrir da janela, embaçada pela diferença de temperatura existente entre o lado de dentro e o de fora, trouxesse a melhor sensação que pode haver, em dias como aquele. A brisa gelada entrando, o cheiro invadindo o interior da casa, e o ruído da chuva, tão doce e melódico aos ouvidos, antes impedido de adentrar pela vedação da janela, soando como música em meus ouvidos...


          Eu contemplava ao olhar para fora, todo o tom cinzento, e as cores da natureza mais contrastadas, pelo tom escurecido que o estar molhado traz às coisas, lentamente, como que em mágica, se transformarem em um quadro pintado em sépia. Os raios do sol, ocultados à dias pelas densas nuvens carregadas que cobriam toda extensão do céu, pareciam lutar contra a parede cinza que os ofuscava, trazendo aquela iluminação discretamente alaranjada, que só os entardeceres conseguem criar. Detive-me a observar o cenário que me contemplava, pelos minutos que me foram concedidos, antes que o sol fosse sutilmente se escondendo atrás da montanha distante, que havia à frente. Tão logo se retiraram os raios de luz, o cenário se transformou novamente em um mar cinzento, que gradativamente ia se escurecendo, até que não mais podia ver as montanhas distantes... Anoiteceu.


          Retirei meu olhar daquela janela, e respirei, com uma profundidade incomum, como para auxiliar os sentimentos que pairavam sobre mim, a se assentarem no interior, já que cada um deles, individualmente, eram bem vindos. Voltei-me para os papéis sobre a mesa, grata pelo concedimento à mim entregue, de vivenciar o que de mais simples há, mas que carrega aderido à sua simplicidade, a capacidade incrível, de trazer-me tais sentimentos. Naquele momento eu sorri, juntei os papéis sobre a mesa, tomei em minhas mãos o lápis, e pus-me a escrever... O que naqueles papéis ficaram gravados à próprio punho, é oculto, ninguém conhece além de mim...

Porque determinadas coisas, mantenho apenas comigo, onde é seguro e tranquilo,
não porque se trate de um segredo mortal, mas puramente porque o que há dentro de mim,
não cabe dentro de mais ninguém... É só meu!

-Susan Oliveira'

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